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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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– Como eles vão rir mostrando todos os dentes, se souberem que matamos a nossa própria

gente.

Fiquei imóvel, pensando que resposta poderia dar a esse comentário, pois, pelo que sabia,

as minhas tarefas eram apenas do conhecimento de Sagaz e Breu, mas os olhos de Veracidade

estavam longe outra vez. Deixei o quarto silenciosamente.

Sem ter a intenção de fazer isso, comecei a mudar as coisas em volta dele. Um dia,

enquanto ele comia, varri o seu quarto e, mais tarde, à noite, trouxe-lhe um saco cheio de

juncos e ervas para espalhar pelo chão. Eu me preocupava porque poderia ser uma distração

para ele, mas Breu tinha me ensinado a me mover silenciosamente. Trabalhei sem falar e,

quanto a Veracidade, ele não dava sinais de perceber as minhas idas e vindas. Mas o quarto

tinha se refrescado, e os botões de vervéria misturados com as ervas exalavam um cheiro

vivificante. Quando entrei, eu o vi cochilando em sua cadeira. Trouxe para ele almofadas, as

quais ignorou por vários dias, mas um dia ele finalmente as dispôs a seu modo. O quarto

continuou desnudado, mas eu tinha compreendido que era assim que ele precisava que fosse,

para preservar a capacidade de se concentrar num propósito único. Por isso, tudo o que trouxe

para ele foram itens que lhe proporcionariam um mínimo de conforto, nada de tapeçarias nem

penduricalhos para as paredes, nem vasos de flores, nem mensageiros do vento tilintantes, mas

tomilhos em flor colocados em potes para acalmar as dores de cabeça que o atormentavam e,

num dia tempestuoso, um cobertor contra a chuva e o frio que entravam pela janela aberta.

Um dia, encontrei-o dormindo na cadeira, flácido como uma coisa morta. Dispus o cobertor

sobre ele como se fosse um inválido e pousei a bandeja diante dele, mas a deixei tapada, para

manter o calor da comida. Sentei-me no chão ao lado da cadeira, encostado em uma das

almofadas jogadas, e escutei o silêncio do quarto. Parecia quase pacífico nesse dia, apesar da

violenta chuva de verão que vinha de fora, pela janela aberta, e do vento forte que lufava de

vez em quando. Devo ter cochilado, pois acordei com a mão dele no meu cabelo.

– Estão dizendo para você me vigiar assim, garoto, mesmo quando durmo? Do que eles têm

medo, então?

– Nada que eu saiba, Veracidade. Dizem-me apenas para te trazer comida e tentar, o melhor

que possa, que você coma. Nada mais do que isso.

– E cobertores e almofadas, e potes de flores agradáveis?

– Esses são coisa minha, meu príncipe. Nenhum homem merece viver num quarto tão

deserto quanto este.

Nesse momento, percebi que não estávamos falando em voz alta e, num sobressalto, senteime

direito e olhei para ele.

Veracidade também pareceu ganhar consciência. Remexeu-se na sua cadeira pouco

confortável.

– Dou graças por esta tempestade, que me deixa descansar. Escondi-a de três dos navios

deles, persuadindo aqueles que olhavam para o céu de que não era mais do que um chuvisco

de verão. Agora mexem freneticamente os remos e espiam através da chuva, tentando manter

os cursos. E eu posso roubar uns poucos momentos de verdadeiro sono – fez uma pausa. –

Perdoe-me, garoto. Às vezes, usar o Talento parece mais natural para mim do que falar. Não

tinha intenção de me intrometer à força nos seus pensamentos.

– Não faz mal, meu príncipe. Mas fiquei surpreso. Não consigo usar o Talento, a não ser de

um jeito leve e imprevisível. Não sei como consegui me abrir para você.

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