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– Você está muito mal?
– Não estou muito bem, na minha idade. Para um garoto novo como você seria apenas um
susto. Ainda assim, ele apenas conseguiu me apunhalar uma vez, mas caí e bati com a cabeça.
Fiquei desacordado por dois dias. E, Fitz. O seu cão. Uma coisa estúpida e sem sentido, mas
ele matou o seu cão.
– Eu sei.
– Ele morreu depressa – disse Bronco, como se aquilo pudesse ser um conforto.
Fiquei imóvel, ao ouvir a mentira.
– Ele morreu bem – eu o corrigi. – Se não tivesse morrido, você teria sido apunhalado mais
vezes.
Bronco ficou muito quieto.
– Você estava lá, não estava? – disse por fim.
Não era uma pergunta, e não tinha como compreender mal o sentido.
– Sim – eu me ouvi dizer, simplesmente.
– Estava lá, com o cão, nessa noite, em vez de tentar usar o Talento? – ele levantou a voz,
indignado.
– Bronco, não foi dessa...
Ele soltou a mão da minha e virou-se para tão longe de mim quanto podia.
– Me deixe.
– Bronco, não foi Ferreirinho. Eu simplesmente não tenho o Talento. Portanto, deixe-me ter
o que tenho, deixe-me ser quem eu sou. Não uso isso de um jeito ruim. Mesmo sem isso, sou
bom com os animais. Você me fez ser. Se usar isso, posso...
– Fique longe do meu estábulo. E fique longe de mim – virou-se outra vez para me encarar
e, para minha surpresa, uma lágrima solitária percorria seu rosto escuro. – Você falhou? Não,
Fitz, eu falhei. Fui suave demais para expulsar isso de você no primeiro sinal. “Eduque-o
bem”, Cavalaria me disse. Foi a última ordem que me deu. E eu falhei com ele. E com você.
Se não tivesse te envolvido na Manha, Fitz, você teria sido capaz de aprender o Talento.
Galeno teria sido capaz de te ensinar. Não me admira que ele tenha te enviado para Forja – fez
uma pausa. – Bastardo ou não, você teria sido um filho digno de Cavalaria. Mas jogou tudo
por água abaixo. E por quê? Por um cão. Sei bem o que um cão pode ser para um homem, mas
não se desperdiça a vida por causa de...
– Não era apenas um cão – eu o interrompi. – Ferreirinho. O meu amigo. E não foi apenas
por causa dele. Desisti da espera e vim até você. Pensando que poderia precisar de mim.
Ferreirinho morreu há dias. Eu sabia disso. Mas voltei por você, pensando que poderia
precisar de mim.
Ficou em silêncio por tanto tempo que pensei que não ia voltar a falar comigo.
– Não precisava – disse numa voz calma. – Sei tomar conta de mim mesmo – e numa voz
mais dura: – Você sabe. Sempre fiz isso.
– E de mim – admiti. – Você sempre tomou conta de mim.
– Caramba, e que bem isso fez para nós dois? – disse lentamente. – Veja no que você se
tornou. Agora você é apenas... Desapareça. Simplesmente, desapareça.
Virou as costas outra vez, e senti que algo o abandonava.
Levantei-me lentamente.
– Vou fazer uma solução de folhas-de-helena para o seu olho. Trarei hoje à tarde.