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pelo vento. Pois quando os dois primeiros entraram na minha zona de alcance, senti o pequeno
calor de Ferreirinho escapar da minha mão. “Ferreirinho!”, sussurrei, em um pedido
desesperado para que de alguma forma continuasse comigo. Vislumbrei a ponta de uma cauda
se mexendo num derradeiro esforço para abanar. Então, o fio se rompeu e a centelha se
apagou. Eu estava sozinho.
Uma torrente negra de força tomou conta de mim como um ataque de loucura. Saltei para a
frente e, num golpe profundo, enfiei a ponta do cajado no rosto de um homem, puxei-o
rapidamente de volta e aproveitei o embalo para lançá-lo com força através da mandíbula da
mulher. O golpe foi tão forte que a simples madeira foi suficiente para esmigalhar a parte
inferior do rosto dela. Golpeei-a outra vez enquanto caía, e foi como bater com um bastão em
um tubarão capturado nas redes de pesca. O terceiro veio para cima de mim, pensando,
suponho, que estava perto demais para que eu pudesse utilizar o cajado com eficiência. Não
me importei. Larguei o cajado e o agarrei. Era ossudo e fedia. Empurrei-o até cairmos nós
dois, ele de costas, e o hálito que expeliu na minha cara tinha um cheiro de carne em
putrefação. Rasguei-o com os dedos e os dentes, tão inumano quanto ele. Eles tinham me
impedido de estar com Ferreirinho enquanto ele morria. Não me importava com o que fosse
fazer nele, desde que o machucasse. Ele revidou. Arrastei a cara dele ao longo das pedras da
calçada, empurrei o meu polegar para dentro de um dos seus olhos. Ele cravou os dentes no
meu pulso e arranhou minha bochecha com as unhas, deixando-a ensanguentada. E quando, por
fim, ele parou de lutar contra o aperto estrangulador das minhas mãos, arrastei-o até o quebramar
e atirei o seu corpo para os rochedos.
Fiquei parado em pé, arfando, com os punhos ainda cerrados. Olhei furiosamente na direção
dos Salteadores, desafiando-os a virem, mas a noite era calma, apesar das ondas, do vento e
do suave gargarejar da mulher enquanto morria. Ou os Salteadores não tinham ouvido nada, ou
estavam muito preocupados em passar despercebidos, eles próprios, para investigar sons na
noite. Esperei em vão alguém se dar ao trabalho de vir me matar. Não houve nenhum
movimento. Um vazio fluiu sobre mim, sobrepondo-se à loucura. Tanta morte numa só noite, e
tão pouco significado, exceto para mim.
Deixei os outros corpos estraçalhados sobre o quebra-mar, que estava prestes a
desmoronar, para que as ondas e as gaivotas se desfizessem deles, e eu me afastei. Não tinha
sentido nada vindo deles quando os matei. Nem medo, nem raiva, nem dor, nem sequer
desespero. Tinham sido coisas. E quando recomecei minha longa caminhada de volta a Torre
do Cervo, não senti nada vir de dentro de mim. Talvez, pensei, o Forjamento fosse como uma
doença contagiosa que agora tinha me contaminado. Não conseguia forçar em mim nenhuma
preocupação com o que quer que fosse.
Pouca coisa dessa jornada ficou guardada na minha mente. Fiz o caminho todo andando,
com frio, cansado e faminto. Não encontrei mais Forjados, e os poucos outros viajantes que vi
na estrada não estavam mais ansiosos do que eu para falar com um estranho. Eu pensava
apenas em voltar a Torre do Cervo. E em Bronco. Cheguei a Torre do Cervo no segundo dia
da Festa da Primavera. Os guardas no portão tentaram primeiro me parar. Olhei para eles.
– É o Fitz – constatou um deles, surpreso. – Disseram que você tinha morrido.
– Cale a boca – resmungou o outro. Era Padrão, que eu conhecia bem e que disse
rapidamente: – Bronco foi ferido. Ele está na enfermaria, garoto.
Assenti com a cabeça e passei por eles.