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atrás. Agora era esse fantoche oco e malvado, cujos olhos embaçados de repente se
acenderam com cobiça enquanto dizia: – Capa. Quero a sua capa.
Ela parecia satisfeita por ter formulado esse pensamento, e isso a deixou suficientemente
descuidada para me dar a oportunidade de desferir um golpe no seu queixo. Olhou atônita para
o ferimento e continuou a mancar na minha direção.
– Capa – ecoou o outro. Por um momento, eles se entreolharam, percebendo estupidamente
a sua rivalidade. – Eu. Minha – acrescentou.
– Não. Eu te mato – respondeu ela calmamente. – E mato você também – lembrou-se de
mim e aproximou-se outra vez. Agitei o cajado na sua direção, mas ela saltou para trás e
tentou agarrá-lo quando passou ao seu lado. Virei-me bem a tempo de desferir um golpe
naquele cujo pulso eu já tinha machucado. Então saltei por cima dele e desci correndo pela
estrada. Corri desajeitadamente, segurando o cajado com uma mão enquanto me debatia com a
fivela da capa com a outra. Por fim, a capa se soltou, e eu a deixei cair enquanto continuava
correndo. Uma impressão de que as minhas pernas eram feitas de borracha me avisou que essa
era a minha última cartada. Mas, alguns momentos depois, eles devem ter chegado até a capa,
pois ouvi gritos raivosos e urros enquanto lutavam entre si por ela. Rezei para que aquilo
fosse suficiente para ocupar todos os quatro e continuei correndo. Cheguei a uma curva na
estrada, não muito acentuada, mas suficiente para me tirar da linha de visão deles. Ainda
assim, continuei a correr e, depois, a caminhar apressadamente enquanto podia, antes de ousar
olhar para trás. A estrada reluzia, ampla e vazia, atrás de mim. Eu me esforcei para continuar
em frente e, quando vi um lugar apropriado, abandonei a estrada.
Encontrei um denso grupo de arbustos e forcei caminho pelo meio deles. Tremendo e
exausto, eu me agachei no meio daqueles arbustos cheios de espinhos e me esforcei para tentar
ouvir qualquer sinal de perseguição. Tomei golinhos de água e tentei me acalmar. Não tinha
tempo para esse atraso; tinha de voltar a Torre do Cervo, mas não ousei sair dali.
Ainda é inconcebível para mim que eu tenha adormecido naquele lugar, mas foi o que fiz.
Despertei aos poucos. Atordoado, tive certeza de que estava me recuperando de alguma
ferida grave ou de uma doença de longa duração. Meus olhos estavam pegajosos, a boca
inchada e amarga. Forcei-me a abrir as pálpebras e olhei em volta, sentindo-me totalmente
desnorteado. A luz estava diminuindo, e nuvens cinzentas venciam a lua.
Minha exaustão era tão grande que eu tinha me inclinado sobre os arbustos cheios de
espinhos e dormido, apesar das inúmeras picadas. Libertei-me dos espinhos com muita
dificuldade, deixando pedaços de roupa, cabelo e pele para trás. Saí do meu esconderijo tão
cautelosamente quanto qualquer animal perseguido, não só sondando o mais longe que os meus
sentidos me permitiam, mas farejando também o ar e mirando tudo ao meu redor. Sabia que
isso não me revelaria nenhum Forjado, mas esperava que, se eles estivessem por perto, os
animais da floresta os tivessem visto e reagido. Mas tudo estava quieto.
Retomei cautelosamente a estrada. Era larga e estava vazia. Olhei uma vez para o céu e
recomecei a caminhar em direção a Forja. Fui me mantendo sempre perto da beira da estrada,
onde as sombras das árvores eram mais densas. Tentei me mover ao mesmo tempo depressa e
silenciosamente, e não consegui fazer nenhuma das duas coisas tão bem quanto queria. Tinha
parado de pensar no que quer que fosse, exceto em ser cauteloso e na necessidade de voltar
para Torre do Cervo. A vida de Ferreirinho era o mais tênue vínculo na minha mente. Penso
que a única emoção ainda ativa em mim era o medo que me mantinha olhando para trás e