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suas expectativas. Mas, à medida que nos aproximávamos da torre central, o vaivém
aumentava. As pessoas passavam por nós de raspão, ocupadas com todo tipo de tarefas: um
moço carregando uma imensa peça de presunto sobre o ombro; um grupo de meninas dando
risadinhas; braços abarrotados de juncos e urzes; um velho de expressão carregada com um
cesto de peixe; e três jovens mulheres em trajes coloridos, com suas vozes soando tão
alegremente quanto o tilintar dos sinos que traziam pendurados nas vestes.
Meu nariz me avisou que nos aproximávamos da cozinha, mas o tráfego aumentava
proporcionalmente, até que à beira da porta havia uma verdadeira multidão entrando e saindo.
Garrano parou, e Narigudo e eu paramos atrás dele, narizes ocupados avaliando a situação.
Ele observou toda aquela gente à porta e franziu as sobrancelhas.
– O lugar está cheio. Todos estão se preparando para hoje à noite, para o banquete de boasvindas
a Veracidade e Majestoso. Toda a gente que é alguém veio a Torre do Cervo; as
notícias de que Cavalaria desistiu do trono se espalham depressa. Todos os duques vieram ou
enviaram representantes para aconselhar sobre isso. Ouvi dizer que mesmo os Chyurda
enviaram alguém, para terem certeza de que os tratados de Cavalaria serão honrados se ele já
não estiver por aí...
Ele parou, subitamente desconcertado, mas se foi porque estava falando do meu pai para
aquele que era a causa da sua abdicação, ou porque estava se dirigindo a um cachorrinho e um
menino de seis anos como se eles tivessem inteligência, não sei ao certo. Olhou ao seu redor
de relance, reavaliando a situação.
– Esperem aqui – disse-nos finalmente. – Eu vou lá dentro buscar alguma coisa para vocês.
Menos chances de eu ser pisoteado... ou pego. Fiquem aqui.
E reforçou o comando com um gesto firme de mão. Recuei até um muro e fiquei ali, em
cócoras, fora do caminho do tráfego. Narigudo sentou-se obedientemente ao meu lado.
Observei fascinado como Garrano se aproximou da porta, fazendo o seu caminho pelo meio da
multidão e deslizando facilmente para dentro da cozinha.
Com Garrano fora de vista, as pessoas que passavam chamaram a minha atenção. A maior
parte era composta de serventes e cozinheiros, alguns menestréis, mercadores e entregadores.
Observei-os chegando e partindo com uma curiosidade entediante. Já tinha visto demais
naquele dia para achá-los grande coisa. Quase mais do que a comida, desejava um lugar
sossegado, longe daquela agitação toda. Sentei-me no chão, as costas apoiadas na parede da
torre aquecida pelo sol, e descansei a testa sobre os joelhos. Narigudo encostou-se em mim.
A cauda do cachorro batendo no chão me despertou. Levantei o rosto dos joelhos para notar
um par de botas altas e marrons diante de mim. Os meus olhos moveram-se para cima,
passando por uma calça de couro cru e uma camisa rústica de lã, até alcançarem o rosto
desgrenhado e barbudo, com um cabelo grisalho por cima. O homem me olhava, balançando
um pequeno barril sobre um dos ombros.
– Você é o bastardo, não é?
Eu tinha ouvido aquela palavra tantas vezes que eu já sabia que ela se referia a mim, sem
compreender exatamente o que significava. Concordei com a cabeça, lentamente.
A cara do homem se iluminou com interesse.
– Ei! – disse ele alto, não mais falando comigo, mas com as pessoas que iam e vinham. – O
bastardo está aqui. O filho ilegítimo de Cavalaria, o Mais-Duro-Que-Um-Pau. Você se parece
muito com ele, não acha? Quem é a sua mãe, menino?