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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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podia compelir Augusto a se levantar, a fazer uma reverência, a andar. Mas na vez seguinte ele

estaria ali, olhando para mim, desafiando-me a contatá-lo.

E ninguém parecia capaz de alcançar o meu interior.

– Baixe a guarda, baixe os muros – ordenava-me Galeno com raiva, parado na minha frente,

tentando em vão me comunicar a mais simples direção ou sugestão. Eu sentia apenas o mais

leve dos toques do seu Talento contra mim. Mas não podia deixá-lo entrar na minha mente da

mesma forma que não podia ficar complacente enquanto um homem enfiava uma espada entre

as minhas costelas. Por mais que eu quisesse me forçar, fugia ao seu toque, físico ou mental, e

não conseguia, de jeito nenhum, sentir os toques dos meus colegas.

Eles progrediam diariamente, enquanto eu os observava e me debatia para dominar os

princípios mais básicos. Houve um dia em que Augusto olhava para a página de um livro e, do

outro lado do telhado, um colega a lia em voz alta, enquanto um conjunto de dois pares jogava

uma partida de xadrez em que os que comandavam os movimentos não podiam ver fisicamente

o tabuleiro. E Galeno estava contente com todos, exceto comigo. Todos os dias nos mandava

embora depois de um toque, um toque que eu raramente sentia. E todos os dias eu era o último

a sair e ele me lembrava friamente que desperdiçava o seu tempo com um bastardo apenas

porque o rei tinha lhe ordenado.

A primavera estava chegando e Ferreirinho tinha crescido de filhote para cão. Fuligem

pariu a sua cria enquanto eu frequentava minhas aulas – uma bela potranca, cujo pai era o

garanhão de Veracidade. Vi Moli uma vez, e passeamos juntos pelo mercado quase sem falar.

Havia uma nova banca montada, com um homem rude que vendia pássaros e animais, todos

capturados em estado selvagem e enjaulados por ele. Tinha corvos, pardais, uma andorinha e

uma jovem raposa tão fraca por causa de vermes que quase não conseguia ficar em pé. A

morte a libertaria mais cedo do que qualquer comprador, e mesmo que eu tivesse dinheiro

suficiente para comprá-la, ela tinha chegado a um estado em que os remédios para os vermes a

envenenariam tanto quanto os parasitas. Fiquei enjoado e, por isso, parei ali, sondando a

mente dos pássaros com sugestões de como bicar um pedaço específico de metal brilhante que

abriria as portas das gaiolas. Mas Moli pensou que eu estava olhando apenas os próprios

animais, e eu a senti se tornar mais fria e mais distante de mim do que qualquer outra vez.

Enquanto a acompanhava até a casa de velas, Ferreirinho choramingava como um mendigo

pela atenção dela, e assim ganhou de Moli um afago e uma pancadinha na cabeça antes de

partirmos. Invejei dele a capacidade de choramingar tão bem. O meu choramingo parecia ser

inaudível.

Com os ares primaveris, todos no porto marítimo se prepararam, pois em breve o tempo

seria propício aos ataques dos salteadores. Eu comia com os guardas todas as noites e ouvia

os rumores com atenção. Os Forjados tinham se tornado assaltantes nas nossas estradas, e os

relatos das perversões e depredações deles tomavam conta das conversas das tabernas. Na

condição de predadores, eram mais desprovidos de decência e misericórdia do que qualquer

animal selvagem. Era fácil esquecer que um dia tinham sido humanos e detestá-los com uma

maldade nunca antes vista.

O medo de ser Forjado aumentou proporcionalmente. Os mercados ofereciam bolinhas de

veneno mergulhadas em doce para as mães darem aos filhos, caso a família fosse capturada

pelos salteadores. Havia rumores de que alguns habitantes das vilas costeiras tinham colocado

todos os pertences em carroças e tinham se mudado para o interior, abdicando de suas

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