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passear com uma terceira pelos jardins. Eram as adoradoras de Majestoso. Tentei imaginar
uma delas segurando no braço de Veracidade enquanto ele olhava de pé os pares dançantes
durante um baile, ou calmamente trabalhando com o tear na sala dele, enquanto Veracidade
refletia e fazia esboços sobre os mapas que tanto amava. Nada de voltinhas pelos jardins;
Veracidade preferia passear pelas docas e no meio dos campos cultivados, parando com
frequência para falar com os marinheiros e agricultores atrás dos arados. Chinelos finos e
saias ornadas certamente não o acompanhariam a esses lugares.
Moli colocou uma moeda na minha mão.
– Isso é para quê?
– Para pagar pelo que você estava pensando tão profundamente que ficou sentado sobre a
ponta da minha saia enquanto eu te pedia duas vezes que se levantasse. Acho que você não
ouviu uma palavra do que eu te disse.
Suspirei.
– Veracidade e Majestoso são tão diferentes, não consigo imaginar como um possa escolher
a esposa do outro.
Moli pareceu intrigada.
– Majestoso escolherá uma mulher que seja bonita, rica e de bom sangue. Será capaz de
dançar e cantar e tocar sinos. Irá se vestir esplendidamente, terá joias no cabelo à mesa do
café da manhã e cheirará sempre a flores que crescem nos Ermos Chuvosos.
– E Veracidade será feliz com uma mulher dessas?
A confusão no rosto de Moli dava a sensação de que eu tinha acabado de insistir que o mar
era feito de sopa.
– Veracidade merece uma companheira, não um enfeite para usar na manga – protestei com
desdém. – Se eu fosse Veracidade, ia querer uma mulher capaz de fazer coisas. Não apenas
escolher joias ou trançar o cabelo. Uma mulher capaz de costurar uma camisa, ou cuidar do
próprio jardim, ou ter alguma atividade especial que possa executar por si própria, como
escrever pergaminhos ou lidar com ervas.
– Novato, esse tipo de coisas não é para as senhoras finas – repreendeu-me Moli. – Elas
devem ser bonitas e ornamentais. E são ricas. Não devem fazer tais trabalhos.
– Claro que devem. Olhe para a Dama Paciência e a sua aia Renda. Andam sempre
ocupadas fazendo coisas. Os aposentos dela são ocupados por uma verdadeira selva que é a
sua coleção de plantas, e, várias vezes, pode-se ver que ela fica com os punhos dos vestidos
um pouco pegajosos por fazer papel. Outras vezes, tem pedaços de folhas no cabelo por
trabalhar com ervas... E, ainda assim, é tão bela quanto as outras damas nobres. De qualquer
forma, beleza não é tudo o que importa numa mulher. Vi as mãos de Renda fazerem uma rede
de pesca para uma das crianças da torre com apenas um pouco de juta. Mãos tão rápidas e
inteligentes quanto os dedos de um artesão de redes; ora isso é uma coisa bonita que não tem
nada a ver com a cara. E Hode, que ensina armas? Ela ama seus trabalhos com prata e
gravações. Fez um punhal para o pai, no aniversário dele, que tem na base a imagem de um
veado saltando, e, mesmo com a gravação, foi feito com uma habilidade tão grande que é um
conforto na mão, e não tem nenhuma ponta ou aresta que atrapalhe quem o empunha. Ora, essa
é a beleza que irá persistir muito depois de os cabelos se tornarem grisalhos ou o rosto se
encher de rugas. Um dia, os netos dela irão olhar para esse trabalho e pensar que ela foi uma
mulher habilidosa.