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– Não, Bronco, juro, não teve nada a ver com o cãozinho. Foi o meu fracasso em aprender o
que ele tentou me ensinar. A minha fraqueza.
– Silêncio – ele me ordenou com impaciência. – Chega de falar. Eu te conheço bem o
suficiente para saber que a sua promessa será sempre verdadeira. Quanto ao resto, não está
fazendo nenhum sentido. Volte a dormir. Vou sair, mas não vou demorar muito. Descanse
porque o descanso é a verdadeira cura.
Um propósito tinha se firmado em Bronco. As minhas palavras o satisfizeram e pareceram
levá-lo a tomar uma decisão. Vestiu-se depressa, calçando as botas, trocando a camisa por
outra mais larga e colocando uma jaqueta de couro por cima. Ferreirinho levantou-se e ganiu
ansiosamente quando Bronco saiu, mas não conseguiu me transmitir sua preocupação. Em vez
disso, veio para perto da cama, subiu nela com esforço e se enterrou nos cobertores ao meu
lado para me confortar com a sua fidelidade. No meio do desespero desolado que tinha se
instalado dentro de mim, ele era minha única luz. Fechei os olhos e as ervas de Bronco me
fizeram mergulhar num sono sem sonhos.
Acordei mais tarde, no fim do dia. Uma lufada de ar fresco precedeu a entrada de Bronco
no quarto. Ele examinou os meus ferimentos, abrindo casualmente os meus olhos e apalpando
as minhas costelas e meus outros machucados com as mãos experientes. Soltou um grunhido de
satisfação e trocou a sua camisa rasgada e enlameada por uma nova. Foi cantarolando
enquanto fazia isso, aparentando estar de muito bom humor, em contraste com as minhas dores
e depressão. Foi quase um alívio quando foi embora outra vez. Lá de baixo, ouvi-o assobiar
enquanto dava ordens aos rapazes do estábulo. Tudo soava tão normal e cotidiano que desejei
participar daquilo com uma intensidade que me surpreendeu. Queria de volta o cheiro quente
dos cavalos, cães e palha, as tarefas simples desempenhadas com competência, e o bom sono
de exaustão no fim do dia. Desejei tudo aquilo, mas a sensação de falta de valor que tomava
conta de mim me fazia acreditar que mesmo nisso eu iria falhar. Galeno frequentemente fazia
piada dos que desempenhavam tarefas tão simples. Sentia somente desprezo pelas criadas de
cozinha e cozinheiras, desdém pelos rapazes do estábulo e pelos homens de armas que nos
guardavam com espadas e arcos e que eram, nas suas palavras, “arruaceiros e idiotas,
destinados a brandir armas ao mundo e tentar dominar com espadas o que não conseguem
dominar com as mentes”. Portanto, naquele momento, eu me sentia estranhamente dividido.
Desejava voltar a fazer o tipo de coisas que Galeno tinha me convencido serem merecedoras
de desdém e, no entanto, ainda assim eu estava cheio de dúvidas e desesperado por não
acreditar ser capaz de executar sequer esse tipo de funções.
Fiquei de cama durante dois dias. Um Bronco jovial tratava de mim com uma descontração
e boa disposição que eu não conseguia compreender. Estava cheio de uma vitalidade e de uma
autoconfiança que o faziam parecer um homem muito mais novo. Ver que as minhas lesões o
punham em tão boa forma piorava ainda mais o meu abatimento. Contudo, depois de dois dias
de repouso na cama, Bronco me instruiu que havia um limite para o tempo de imobilidade que
fazia bem a um homem, e que era o momento de me levantar e me mexer, se desejava ficar
curado. Arranjou-me várias pequenas tarefas para executar, nenhuma delas tão pesada que
pudesse exaurir minhas forças, mas mais do que suficientes para me manter ocupado, pois
tinha de descansar com frequência. Acredito que o objetivo dele era me manter ocupado, mais
do que realizar qualquer tarefa, pois tudo o que eu tinha feito naqueles dois dias que se
passaram tinha sido deitar na cama e olhar para a parede, e me autodesprezar. Confrontado