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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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– Não, Bronco, juro, não teve nada a ver com o cãozinho. Foi o meu fracasso em aprender o

que ele tentou me ensinar. A minha fraqueza.

– Silêncio – ele me ordenou com impaciência. – Chega de falar. Eu te conheço bem o

suficiente para saber que a sua promessa será sempre verdadeira. Quanto ao resto, não está

fazendo nenhum sentido. Volte a dormir. Vou sair, mas não vou demorar muito. Descanse

porque o descanso é a verdadeira cura.

Um propósito tinha se firmado em Bronco. As minhas palavras o satisfizeram e pareceram

levá-lo a tomar uma decisão. Vestiu-se depressa, calçando as botas, trocando a camisa por

outra mais larga e colocando uma jaqueta de couro por cima. Ferreirinho levantou-se e ganiu

ansiosamente quando Bronco saiu, mas não conseguiu me transmitir sua preocupação. Em vez

disso, veio para perto da cama, subiu nela com esforço e se enterrou nos cobertores ao meu

lado para me confortar com a sua fidelidade. No meio do desespero desolado que tinha se

instalado dentro de mim, ele era minha única luz. Fechei os olhos e as ervas de Bronco me

fizeram mergulhar num sono sem sonhos.

Acordei mais tarde, no fim do dia. Uma lufada de ar fresco precedeu a entrada de Bronco

no quarto. Ele examinou os meus ferimentos, abrindo casualmente os meus olhos e apalpando

as minhas costelas e meus outros machucados com as mãos experientes. Soltou um grunhido de

satisfação e trocou a sua camisa rasgada e enlameada por uma nova. Foi cantarolando

enquanto fazia isso, aparentando estar de muito bom humor, em contraste com as minhas dores

e depressão. Foi quase um alívio quando foi embora outra vez. Lá de baixo, ouvi-o assobiar

enquanto dava ordens aos rapazes do estábulo. Tudo soava tão normal e cotidiano que desejei

participar daquilo com uma intensidade que me surpreendeu. Queria de volta o cheiro quente

dos cavalos, cães e palha, as tarefas simples desempenhadas com competência, e o bom sono

de exaustão no fim do dia. Desejei tudo aquilo, mas a sensação de falta de valor que tomava

conta de mim me fazia acreditar que mesmo nisso eu iria falhar. Galeno frequentemente fazia

piada dos que desempenhavam tarefas tão simples. Sentia somente desprezo pelas criadas de

cozinha e cozinheiras, desdém pelos rapazes do estábulo e pelos homens de armas que nos

guardavam com espadas e arcos e que eram, nas suas palavras, “arruaceiros e idiotas,

destinados a brandir armas ao mundo e tentar dominar com espadas o que não conseguem

dominar com as mentes”. Portanto, naquele momento, eu me sentia estranhamente dividido.

Desejava voltar a fazer o tipo de coisas que Galeno tinha me convencido serem merecedoras

de desdém e, no entanto, ainda assim eu estava cheio de dúvidas e desesperado por não

acreditar ser capaz de executar sequer esse tipo de funções.

Fiquei de cama durante dois dias. Um Bronco jovial tratava de mim com uma descontração

e boa disposição que eu não conseguia compreender. Estava cheio de uma vitalidade e de uma

autoconfiança que o faziam parecer um homem muito mais novo. Ver que as minhas lesões o

punham em tão boa forma piorava ainda mais o meu abatimento. Contudo, depois de dois dias

de repouso na cama, Bronco me instruiu que havia um limite para o tempo de imobilidade que

fazia bem a um homem, e que era o momento de me levantar e me mexer, se desejava ficar

curado. Arranjou-me várias pequenas tarefas para executar, nenhuma delas tão pesada que

pudesse exaurir minhas forças, mas mais do que suficientes para me manter ocupado, pois

tinha de descansar com frequência. Acredito que o objetivo dele era me manter ocupado, mais

do que realizar qualquer tarefa, pois tudo o que eu tinha feito naqueles dois dias que se

passaram tinha sido deitar na cama e olhar para a parede, e me autodesprezar. Confrontado

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