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para proteger os meus segredos. Não apenas Ferreirinho, mas também Breu e o Bobo, Moli,
Quim e Rodrigo, e outros segredos mais antigos que eu não revelava nem mesmo para mim.
Ele buscava todos eles, e eu fazia malabarismos desesperados para mantê-los fora do seu
alcance. Mas, apesar de tudo isso, ou talvez por causa disso, sentia que me tornava mais forte
no Talento.
– Não zombe de mim! – ele rugiu depois de uma sessão, e ficou furioso ao ver que os outros
alunos trocavam olhares chocados. – Prestem atenção aos seus próprios exercícios! – rugiu
para eles.
Estava se afastando quando, de repente, deu meia-volta e se atirou contra mim. Com os
punhos e a bota, atacou-me como Moli uma vez tinha feito, e não pensei em mais nada senão
proteger o meu rosto e a barriga. Os golpes que choviam sobre mim eram mais como uma
birra de criança que o ataque de um homem. Senti a sua ineficácia e então percebi, com um
arrepio de medo, que eu o estava repelindo. Não tão fortemente que ele pudesse sentir, apenas
o suficiente para que nenhum dos golpes caísse exatamente como ele queria. Percebi que ele
não tinha ideia do que eu estava fazendo. Quando finalmente deixou cair os braços, e eu ousei
levantar os olhos, senti que, momentaneamente, eu tinha ganhado. Pois todos os outros no topo
da torre estavam olhando para ele com uma mistura de repugnância e medo. Ele tinha ido
longe demais mesmo para Serena. Pálido, ele virou as costas para mim. E, naquele momento,
senti que ele tinha acabado de tomar uma decisão.
À noite, no meu quarto, senti-me extremamente cansado, mas estava muito nervoso para
conseguir dormir. O Bobo tinha deixado comida para Ferreirinho, e eu o estava desafiando
com uma junta de boi bem grande. Ele tinha fincado os dentes na minha manga e a mordia
enquanto eu mantinha o osso fora do seu alcance. Era o tipo de jogo que ele adorava. Rosnava
com uma ferocidade fingida enquanto chacoalhava o meu braço. Tinha se tornado quase tão
grande quanto seria quando adulto, e senti com orgulho os músculos do seu pequeno pescoço
grosso. Com a mão livre, belisquei sua cauda e ele deu um salto, rosnando. Atirei o osso de
uma mão para a outra, e os seus olhos iam de um lado para o outro enquanto saltava atrás dele.
– Burro – zombei dele. – Tudo o que você consegue pensar é no que quer. Burro, burro.
– Exatamente como o dono.
Estremeci, e nesse segundo Ferreirinho pegou o osso. Aninhou-se no chão com ele, dando
ao Bobo não mais do que um abanar de cauda mecânico. Sentei, com falta de ar.
– Nem sequer ouvi a porta abrir. Ou fechar.
Ele ignorou meu comentário e foi direto ao assunto que desejava tratar.
– Você pensa que Galeno vai deixar você conseguir?
Eu ri, contente comigo mesmo.
– Acha que ele pode evitar isso?
O Bobo se sentou ao meu lado com um suspiro.
– Sei que pode. E ele pode mesmo. O que não sei com certeza é se ele é cruel o suficiente.
Mas suspeito que sim.
– Então, deixe-o tentar – disse eu, irreverentemente.
– Não tenho muita escolha – o Bobo estava muito sério. – Eu tinha esperança de te dissuadir
de tentar.
– Você está pedindo que eu desista? Agora? – estava incrédulo.
– Era o que eu faria.