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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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Não sei o que os outros sentiam; no meu coração, não havia mais do que ódio por ele, mas era

um ódio tão intenso que me impelia contra a ideia de ser destruído por esse homem. Depois de

dias de abuso, obter uma só palavra involuntária de reconhecimento da parte dele era como

uma torrente de cumprimentos de qualquer outro mestre. Dias sendo desprezado deveriam ter

me deixado insensível à humilhação. Em vez disso, acabei acreditando em muito do que ele

dizia e tentava futilmente mudar.

Competíamos constantemente uns com os outros pela atenção dele. Alguns emergiram

claramente como favoritos. Augusto era um deles, e ouvíamos com frequência que devíamos

imitá-lo. Eu era claramente o mais detestado. E, contudo, isso não me impediu de ansiar por

me destacar diante dele. Depois da primeira vez, nunca fui o último a chegar ao topo da torre.

Nunca vacilava diante dos golpes dele. Quem também não fazia isso era Serena, que

partilhava comigo a distinção de ser detestada. Serena tornou-se a seguidora mais fervorosa

de Galeno, nunca soltando uma palavra de crítica em relação a ele desde aquele primeiro

açoite. E, apesar disso, ele constantemente achava defeitos nela, criticava-a, humilhava-a e

açoitava-a com muito mais frequência do que qualquer outra das moças. E tudo isso só a

tornava mais determinada em provar que conseguia suportar o abuso; depois do próprio

Galeno, era ela a mais intolerante em relação a quem vacilasse ou duvidasse do treino.

O inverno tornou-se mais rigoroso. Estava frio e escuro no topo da torre, com exceção da

luz que vinha da escadaria. Era o lugar mais isolado do mundo, e Galeno era o seu deus. Ele

nos moldou em uma unidade. Acreditamos ser uma elite, superiores e privilegiados por

sermos instruídos no Talento. Mesmo eu, que suportava humilhação e espancamentos,

acreditava que era assim. Aqueles que ele destruiu eram desprezados por nós. Víamos apenas

uns aos outros durante esse tempo, e ouvíamos apenas Galeno. No começo, senti saudades de

Breu. Tentei imaginar o que Bronco e Paciência estariam fazendo. Mas, à medida que os

meses passavam, essas ocupações menores deixaram de parecer interessantes. Até mesmo o

Bobo e Ferreirinho se tornaram quase distrações incômodas para mim, tão obsessivamente eu

tentava obter a aprovação de Galeno. O Bobo ia e vinha silenciosamente. Mas havia

momentos em que eu estava mais cansado e dolorido do que o normal, em que o toque do

focinho de Ferreirinho no meu rosto era o único conforto que me restava; e havia momentos

em que me sentia envergonhado do pouco tempo que dedicava ao meu cãozinho em

crescimento.

Depois de três meses de frio e crueldade, Galeno tinha nos reduzido a oito candidatos. O

verdadeiro treino finalmente começou, e também nessa ocasião ele nos devolveu um pouco de

conforto e dignidade. O que recebemos nos pareceu então não apenas um rol de grandes luxos,

mas uma dádiva de Galeno pela qual devíamos ser agradecidos. Um pouco de fruta seca com

as refeições, permissão para usar sapatos, breves conversas toleradas à mesa – era tudo, mas

rastejávamos de gratidão por causa disso. Porém, as mudanças estavam apenas começando.

Tudo volta à minha memória como vislumbres de cristal. Lembro-me da primeira vez que

ele me tocou com o Talento. Estávamos no topo da torre, ainda mais espalhados do que antes,

agora que éramos em menor número.

Ele foi passando por nós, ficando um momento diante de cada um, enquanto os demais

esperavam em silêncio reverente.

– Preparem as mentes para o toque. Estejam abertos para ele, mas não se rendam ao prazer

que advém dele. O propósito do Talento não é o prazer.

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