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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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desesperadamente que você seja bom em alguma coisa. Passa o tempo te testando, esperando

que manifeste algum talento súbito, para que ela possa mostrá-lo por aí e dizer às pessoas:

“Veja. Eu disse que havia algo nele”. Ora, eu tive os meus próprios garotos e sei que os

garotos não são desse jeito. Não aprendem, nem crescem, nem têm boas maneiras quando

estamos olhando para eles. Mas, se virarmos as costas e depois voltarmos, lá estarão eles,

mais espertos, mais altos e encantando todo mundo, exceto as próprias mães.

Eu me sentia um pouco perdido.

– Quer que eu aprenda a tocar isto para fazer Paciência feliz?

– Para que ela possa sentir que te deu algo.

– Ela me deu o Ferreirinho. Nada que possa me dar será melhor do que ele.

Renda ficou surpresa com a minha súbita sinceridade. E eu também.

– Bem. Você pode dizer isso para ela. Mas pode também tentar aprender a tocar os tubos do

mar e a recitar a balada e cantar uma das antigas orações. São coisas que ela perceberá

melhor.

Depois que Renda foi embora, sentei e fiquei pensando, preso entre a ira e a melancolia.

Paciência desejava que eu fosse um sucesso e sentia que precisava descobrir algo que eu

pudesse fazer. Como se antes dela eu nunca tivesse feito ou sido bem-sucedido em nada. Mas

à medida que refletia sobre os meus atos e sobre o que Paciência conhecia de mim, percebi

que ela tinha mesmo que ter uma imagem bastante rasa de mim. Sabia ler e escrever e tomar

conta de um cavalo ou de um cão. Também podia destilar venenos, fazer poções soníferas,

roubar, mentir e surrupiar, tudo coisas que não lhe agradariam mesmo que soubesse. Portanto,

havia algo em mim, além de ser espião ou assassino?

Na manhã seguinte, acordei cedo e procurei Penacarriço. Ficou contente quando lhe pedi

que me emprestasse pincéis e tintas. O papel que me deu era melhor do que as folhas de

exercício, e me fez prometer que lhe mostraria o resultado dos meus esforços. Enquanto subia

as escadas, comecei a pensar como teria sido acompanhá-lo enquanto aprendiz. Com certeza

não seria mais difícil do que aquilo que tinha sido exigido de mim nos últimos tempos.

Mas a tarefa a que me propus provou ser mais difícil do que qualquer coisa a que Paciência

tivesse me submetido. Observava Ferreirinho adormecido em sua almofada. Como a curva do

dorso podia ser tão diferente da curva de uma runa, as sombras das orelhas tão diferentes dos

sombreados das ilustrações do herbanário que com muito esforço eu copiava do trabalho de

Penacarriço? Mas eram, e desperdicei folha após folha de papel até que de repente percebi

que eram as sombras em torno do cachorro que faziam as curvas do dorso e a linha da coxa.

Precisava pintar menos, não mais, e pôr na folha o que o olho via em vez do que a mente

sabia.

Era tarde quando lavei os pincéis e os deixei de lado. Tinha duas folhas aceitáveis e uma

terceira de que gostava, embora fosse disforme e embaçada, mais como o sonho de um

cãozinho do que um cãozinho de verdade. Mais o que eu sentia do que o que via, pensei

comigo mesmo.

Mas, quando cheguei à porta da Dama Paciência, olhei para os papéis na mão e de repente

me vi como uma criança pequena se preparando para mostrar dentes-de-leão amassados e

ressecados à mãe. Que passatempo adequado era esse para um jovem? Se eu fosse

verdadeiramente o aprendiz de Penacarriço, exercícios desse tipo seriam apropriados, pois

um bom escriba deve ilustrar e esclarecer tão bem quanto escreve. Mas a porta se abriu antes

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