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crescesse. Quando o levantei na frente da janela, pude ver manchas fracas de cor. Seria preto
com pintas, então. Descobri uma mancha branca no queixo e outra na perna traseira esquerda.
Cravou as pequenas mandíbulas na manga da minha camisa e a abanou violentamente,
emitindo rosnadas ferozes de cãozinho. Lutei com ele sobre a cama, até que caiu num sono
profundo. Então, coloquei-o sobre a almofada de lã e fui relutantemente para as lições e
tarefas da tarde.
Essa semana inicial com Paciência foi um teste difícil para nós dois. Tinha aprendido a
manter sempre um fio de conexão com Ferreirinho, de forma que nunca se sentisse
suficientemente sozinho para começar a uivar quando eu o deixasse. Mas isso requeria hábito,
e assim eu me sentia sempre um pouco distraído. Bronco franziu a sobrancelha ao perceber,
mas insisti que era devido às sessões com Paciência.
– Não faço ideia do que essa mulher quer de mim – disse-lhe no terceiro dia. – Ontem foi
música. No intervalo de duas horas, tentou me ensinar a tocar harpa, tubos do mar e flauta. A
cada vez que eu chegava perto de descobrir como produzir algumas notas em um deles, ela me
retirava o instrumento da mão e ordenava que eu tentasse outro. Ela terminou dizendo que eu
não tinha aptidão para música. Na manhã de hoje foi poesia. Ela se empenhou em me ensinar
aquele poema sobre a Rainha Panaceia e o seu jardim. Há uma longa parte que fala de todas as
ervas que plantava e para que servia cada uma. E ela continuava a confundir tudo e ficava
brava comigo quando eu repetia o que ela tinha dito, dizendo que eu devia saber que erva-dogato
não é para cataplasmas e que estava fazendo pouco-caso dela. Foi quase um alívio
quando disse que eu tinha provocado uma dor de cabeça tão forte nela que precisávamos
parar. E quando me ofereci para lhe trazer alguns botões do arbusto de mão-de-dama para dor
de cabeça, sentou-se ereta e disse: “Está vendo! Sabia que estava fazendo pouco-caso de
mim”. Não sei como agradá-la, Bronco.
– E por que você teria de fazer isso? – resmungou, e deixei o assunto morrer.
Nessa noite, Renda veio até o meu quarto. Bateu à porta e entrou, torcendo o nariz.
– É melhor que traga algumas ervas aromáticas para espalhar pelo quarto se você for
manter esse cachorro aqui. E use um pouco de vinagre e água quando esfregar os dejetos dele.
Isso aqui está com cheiro de estábulo.
– Imagino que sim – admiti. Olhei-a com curiosidade e esperei.
– Trouxe isto para você. Pareceu-me que foi o que você gostou mais.
Ofereceu-me os tubos do mar. Peguei os tubos curtos e grossos unidos por tiras de couro.
Preferira esse instrumento entre os três que experimentei. A harpa tinha cordas demais e a
flauta me pareceu um pouco estridente mesmo quando Paciência a tocou.
– Foi a Dama Paciência que os enviou para mim? – perguntei, intrigado.
– Não. Ela nem sequer sabe que eu os peguei. Vai imaginar que estão perdidos no meio da
bagunça, como de costume.
– Então por que você os trouxe?
– Para que possa praticar. Quando tiver um pouco de habilidade com eles, traga-os de volta
e mostre a ela.
– Por quê?
Renda suspirou.
– Porque a faria se sentir melhor. E deixaria a minha vida mais fácil. Não há nada pior do
que ser a aia de alguém de coração tão triste quanto a Dama Paciência. Ela deseja