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Ele tinha se aninhado na curva do meu braço e casualmente dava mordidinhas na beirada do
meu gibão. É difícil explicar o que senti. Precisava dar atenção à Dama Paciência, mas aquela
pequena criatura encostada em mim irradiava deleite e contentamento. É uma coisa inebriante
ser subitamente proclamado o centro do mundo de alguém, mesmo que esse alguém seja um
cãozinho de oito semanas de vida. Isso me fez perceber o quão profundamente sozinho eu me
sentia, e há quanto tempo.
– Obrigado – disse, e mesmo eu fiquei surpreso com a gratidão na minha voz. – Muitíssimo
obrigado.
– É apenas um cãozinho – disse a Dama Paciência e, para minha surpresa, parecia quase
envergonhada.
Virou-se para o lado e olhou pela janela. O cãozinho lambeu o nariz e fechou os olhos.
Quente. Sono.
– Fale-me de você – pediu-me abruptamente.
Fiquei perplexo.
– O que gostaria de saber, senhora?
Fez um pequeno gesto de frustração.
– O que faz todo dia? O que é que te ensinaram?
Tentei ceder ao pedido, mas logo pude ver que a resposta não a satisfazia. Apertava
fortemente os lábios a cada menção do nome de Bronco. Não estava impressionada com meu
treinamento marcial. De Breu, não podia lhe contar nada. Acenou com a cabeça numa
aprovação a contragosto do estudo de línguas, escrita e cifras.
– Bem – interrompeu-me de repente. – Pelo menos você não é totalmente ignorante. Se pode
ler, pode aprender o que quer que seja. Se tiver vontade. Tem vontade de aprender?
– Suponho que sim – foi uma resposta morna, mas começava a me sentir acossado. Nem
sequer o cãozinho de presente podia compensar o menosprezo dela pelos meus estudos.
– Suponho que aprenderá, então. Porque quero que você tenha vontade, mesmo se ainda não
a tem – e, de repente, tornou-se severa, numa mudança de atitude que me deixou
completamente desnorteado. – E como é que te chamam, garoto?
A mesma pergunta outra vez.
– “Garoto” está bom – balbuciei.
O cãozinho adormecido nos meus braços ganiu agitado. Forcei-me a me acalmar por causa
dele.
Tive a satisfação de ver uma expressão de choque passar brevemente pelo rosto de
Paciência.
– Vou te chamar... hum... Tomás. Tom no dia a dia. Está de acordo?
– Suponho que sim – disse deliberadamente.
Bronco se esforçava mais para dar nome a um cão do que aquilo. Não tínhamos nem
Pretinhos nem Malhados no estábulo. Bronco dava o nome a cada animal como se fosse para
um nobre, dava nomes que os descreviam ou características que desejava para eles. Mesmo o
nome de Fuligem revelava um fogo gentil que eu tinha passado a respeitar. Mas essa mulher
me deu o nome de Tom num só fôlego. Olhei para baixo para que ela não pudesse ver meus
olhos.
– Bem, então – disse, um pouco bruscamente. – Venha amanhã na mesma hora. Terei
algumas coisas preparadas para você. Eu te aviso, desde já, que ficarei à espera de um