O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb
dificilmente poderia culpá-la por me tratar como um idiota.Fez-se silêncio. Olhei o quarto em volta. Dama Paciência olhou na direção da janela. Rendasentou-se, esboçou um sorriso e fingiu começar a bordar.– Ah, aqui.Ágil como um falcão mergulhando na direção de uma presa, a Dama Paciência inclinou-se ecapturou o pequeno cãozinho preto pelo cangote. Ele ganiu de surpresa, e a mãe olhava paracima, aborrecida, enquanto a Dama Paciência o atirava nos meus braços.– Este é para você. É seu a partir de agora. Todo garoto deve ter um animal de estimação.Peguei o cãozinho, que se contorcia, e consegui segurá-lo antes que ela o largasse.– Ou talvez prefira um pássaro? Tenho uma gaiola de tentilhões no quarto de dormir. Podeficar com um deles, se você preferir.– Hum, não. Um cãozinho está bom. Um cãozinho é ótimo.A segunda parte da declaração foi feita para o cachorro. Minha resposta instintiva ao seuagudo “ih-ih-ih” foi sondar sua mente com calma. A mãe percebeu o meu contato com ele eaprovou. Voltou a acomodar-se no cesto junto do cãozinho branco, com uma despreocupaçãodisplicente. O cãozinho olhou para mim e me encarou diretamente. Isso, de acordo com minhaexperiência, era bastante fora do comum. A maior parte dos cães evitava um prolongadocontato visual. Mas também era fora do comum a percepção que ele tinha das coisas que orodeavam. Sabia, de minhas experiências furtivas no estábulo, que a maior parte doscachorrinhos da idade dele tinha pouco mais do que uma autoconsciência confusa, e estavamais receptiva à mãe, ao leite e às necessidades imediatas. Este fulaninho tinha umaidentidade sólida estabelecida e um profundo interesse por tudo o que se passava à sua volta.Gostava de Renda, que lhe dava pedaços de carne para comer, e desconfiava de Paciência,não porque fosse cruel, mas porque tropeçava nele e passava a vida colocando-o de volta nocesto cada vez que, com muito custo, conseguia pular para fora. Pensava que o meu cheiro eramuito interessante, e os odores dos cavalos e pássaros e outros cães eram cores na sua mente,imagens de coisas que por enquanto não tinham forma nem realidade para ele, mas que mesmoassim achava fascinantes. Eu lhe transmiti as imagens que correspondiam aos odores, e eleescalou meu peito, abanando a cauda, me farejando e lambendo de exaltação. Leve-me,mostre-me, leve-me.– ... me ouvindo?Estremeci, esperando que Bronco me desse uma pancada na nuca, e então percebi onde euestava e a pequena mulher à minha frente com as mãos nas ancas.– Acho que tem alguma coisa errada com ele – comentou ela abruptamente para Renda. –Viu como ele estava ali sentado, olhando pasmado para o cãozinho? Pensei que ele ia teralgum tipo de ataque.Renda sorriu com bondade e continuou a bordar.– Na verdade, ele me lembrou um pouco da senhora, quando começa a tratar das suas folhase pedaços de plantas e acaba olhando pasmada para a terra.– Bem – disse Paciência, claramente descontente. – Uma coisa é um adulto ficar pensativo –observou com firmeza –, outra é um garoto ficar assim pasmado, como se fosse um bobo.Mais tarde, prometi ao cãozinho.– Peço desculpas – disse tentando parecer arrependido. – Só estava distraído com ocãozinho.
Ele tinha se aninhado na curva do meu braço e casualmente dava mordidinhas na beirada domeu gibão. É difícil explicar o que senti. Precisava dar atenção à Dama Paciência, mas aquelapequena criatura encostada em mim irradiava deleite e contentamento. É uma coisa inebrianteser subitamente proclamado o centro do mundo de alguém, mesmo que esse alguém seja umcãozinho de oito semanas de vida. Isso me fez perceber o quão profundamente sozinho eu mesentia, e há quanto tempo.– Obrigado – disse, e mesmo eu fiquei surpreso com a gratidão na minha voz. – Muitíssimoobrigado.– É apenas um cãozinho – disse a Dama Paciência e, para minha surpresa, parecia quaseenvergonhada.Virou-se para o lado e olhou pela janela. O cãozinho lambeu o nariz e fechou os olhos.Quente. Sono.– Fale-me de você – pediu-me abruptamente.Fiquei perplexo.– O que gostaria de saber, senhora?Fez um pequeno gesto de frustração.– O que faz todo dia? O que é que te ensinaram?Tentei ceder ao pedido, mas logo pude ver que a resposta não a satisfazia. Apertavafortemente os lábios a cada menção do nome de Bronco. Não estava impressionada com meutreinamento marcial. De Breu, não podia lhe contar nada. Acenou com a cabeça numaaprovação a contragosto do estudo de línguas, escrita e cifras.– Bem – interrompeu-me de repente. – Pelo menos você não é totalmente ignorante. Se podeler, pode aprender o que quer que seja. Se tiver vontade. Tem vontade de aprender?– Suponho que sim – foi uma resposta morna, mas começava a me sentir acossado. Nemsequer o cãozinho de presente podia compensar o menosprezo dela pelos meus estudos.– Suponho que aprenderá, então. Porque quero que você tenha vontade, mesmo se ainda nãoa tem – e, de repente, tornou-se severa, numa mudança de atitude que me deixoucompletamente desnorteado. – E como é que te chamam, garoto?A mesma pergunta outra vez.– “Garoto” está bom – balbuciei.O cãozinho adormecido nos meus braços ganiu agitado. Forcei-me a me acalmar por causadele.Tive a satisfação de ver uma expressão de choque passar brevemente pelo rosto dePaciência.– Vou te chamar... hum... Tomás. Tom no dia a dia. Está de acordo?– Suponho que sim – disse deliberadamente.Bronco se esforçava mais para dar nome a um cão do que aquilo. Não tínhamos nemPretinhos nem Malhados no estábulo. Bronco dava o nome a cada animal como se fosse paraum nobre, dava nomes que os descreviam ou características que desejava para eles. Mesmo onome de Fuligem revelava um fogo gentil que eu tinha passado a respeitar. Mas essa mulherme deu o nome de Tom num só fôlego. Olhei para baixo para que ela não pudesse ver meusolhos.– Bem, então – disse, um pouco bruscamente. – Venha amanhã na mesma hora. Tereialgumas coisas preparadas para você. Eu te aviso, desde já, que ficarei à espera de um
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dificilmente poderia culpá-la por me tratar como um idiota.
Fez-se silêncio. Olhei o quarto em volta. Dama Paciência olhou na direção da janela. Renda
sentou-se, esboçou um sorriso e fingiu começar a bordar.
– Ah, aqui.
Ágil como um falcão mergulhando na direção de uma presa, a Dama Paciência inclinou-se e
capturou o pequeno cãozinho preto pelo cangote. Ele ganiu de surpresa, e a mãe olhava para
cima, aborrecida, enquanto a Dama Paciência o atirava nos meus braços.
– Este é para você. É seu a partir de agora. Todo garoto deve ter um animal de estimação.
Peguei o cãozinho, que se contorcia, e consegui segurá-lo antes que ela o largasse.
– Ou talvez prefira um pássaro? Tenho uma gaiola de tentilhões no quarto de dormir. Pode
ficar com um deles, se você preferir.
– Hum, não. Um cãozinho está bom. Um cãozinho é ótimo.
A segunda parte da declaração foi feita para o cachorro. Minha resposta instintiva ao seu
agudo “ih-ih-ih” foi sondar sua mente com calma. A mãe percebeu o meu contato com ele e
aprovou. Voltou a acomodar-se no cesto junto do cãozinho branco, com uma despreocupação
displicente. O cãozinho olhou para mim e me encarou diretamente. Isso, de acordo com minha
experiência, era bastante fora do comum. A maior parte dos cães evitava um prolongado
contato visual. Mas também era fora do comum a percepção que ele tinha das coisas que o
rodeavam. Sabia, de minhas experiências furtivas no estábulo, que a maior parte dos
cachorrinhos da idade dele tinha pouco mais do que uma autoconsciência confusa, e estava
mais receptiva à mãe, ao leite e às necessidades imediatas. Este fulaninho tinha uma
identidade sólida estabelecida e um profundo interesse por tudo o que se passava à sua volta.
Gostava de Renda, que lhe dava pedaços de carne para comer, e desconfiava de Paciência,
não porque fosse cruel, mas porque tropeçava nele e passava a vida colocando-o de volta no
cesto cada vez que, com muito custo, conseguia pular para fora. Pensava que o meu cheiro era
muito interessante, e os odores dos cavalos e pássaros e outros cães eram cores na sua mente,
imagens de coisas que por enquanto não tinham forma nem realidade para ele, mas que mesmo
assim achava fascinantes. Eu lhe transmiti as imagens que correspondiam aos odores, e ele
escalou meu peito, abanando a cauda, me farejando e lambendo de exaltação. Leve-me,
mostre-me, leve-me.
– ... me ouvindo?
Estremeci, esperando que Bronco me desse uma pancada na nuca, e então percebi onde eu
estava e a pequena mulher à minha frente com as mãos nas ancas.
– Acho que tem alguma coisa errada com ele – comentou ela abruptamente para Renda. –
Viu como ele estava ali sentado, olhando pasmado para o cãozinho? Pensei que ele ia ter
algum tipo de ataque.
Renda sorriu com bondade e continuou a bordar.
– Na verdade, ele me lembrou um pouco da senhora, quando começa a tratar das suas folhas
e pedaços de plantas e acaba olhando pasmada para a terra.
– Bem – disse Paciência, claramente descontente. – Uma coisa é um adulto ficar pensativo –
observou com firmeza –, outra é um garoto ficar assim pasmado, como se fosse um bobo.
Mais tarde, prometi ao cãozinho.
– Peço desculpas – disse tentando parecer arrependido. – Só estava distraído com o
cãozinho.