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dois cavalos estranhos em um dos cercados, e o palafrém de uma dama numa baia. Concluí
que alguma senhora nobre tinha vindo à corte. Fiquei imaginando o que a teria trazido aqui no
final do verão e me admirei com a qualidade dos animais. Então deixei os cavalos e fui para a
torre.
Por hábito, o meu caminho me levou para a cozinha. Tempero estava habituada aos apetites
dos rapazes do estábulo e homens de armas, e sabia que as refeições regulares nem sempre
eram suficientes para deixá-los satisfeitos. Ultimamente, em especial, eu vivia com fome toda
hora, e Dona Despachada tinha dito recentemente que, se eu não parasse de crescer, ia ter de
me embrulhar como um selvagem, pois já não tinha ideia de como fazer parecer que as roupas
me serviam. Quando entrei pela porta da cozinha, estava já pensando na grande tigela de barro
que Tempero mantinha cheia de biscoitos macios e coberta com um pano, e naquela peça de
queijo bem curado, e em como ambos iriam bem com uma cerveja.
Havia uma mulher à mesa. Estava comendo uma maçã e um pedaço de queijo, mas, no
momento em que me viu entrar pela porta, deu um pulo de onde estava e colocou a mão sobre
o coração, como se pensasse que se tratava do próprio Homem Pustulento. Parei.
– Não tinha intenção de assustá-la, senhora. Eu simplesmente estava com fome e pensei em
vir buscar algo para comer. Incomodo-a se eu ficar?
A dama deixou-se afundar lentamente no assento. Fiquei pensando o que alguém da sua
classe estaria fazendo na cozinha, desacompanhada, à noite. Pois o nascimento nobre dela era
algo que não se disfarçava com a simples veste cor de creme que trajava ou com o cansaço
que o rosto revelava. Era sem dúvida a cavaleira do palafrém no estábulo e não a aia de
alguma senhora. Se tinha acordado com fome durante a noite, por que é que não teria se
limitado a chamar uma criada para que viesse buscar alguma coisa para ela na cozinha?
Ela levou a mão, que apertava o peito, aos lábios, como se tivesse a intenção de acalmar a
respiração descontrolada. Quando falou, a voz era bem modulada, quase musical.
– Não quero te impedir de pegar a sua comida. Eu só fiquei um pouco assustada. Você...
chegou tão de repente.
– Obrigado, senhora.
Caminhei pela cozinha grande, do tonel de cerveja para o queijo e para o pão, mas, para
onde quer que fosse, os olhos dela me seguiam. A sua comida jazia ignorada na mesa, onde ela
a tinha largado assim que eu cheguei. Depois de encher uma caneca de cerveja, eu me virei
para encontrar os seus olhos arregalados em cima de mim. Baixou-os rapidamente. A boca
dela se abriu, mas não disse nada.
– Posso fazer alguma coisa por você? – perguntei educadamente. – Ajudá-la a encontrar
alguma coisa? Gostaria de um pouco de cerveja?
– Se tivesse a gentileza.
Ela disse as palavras com suavidade. Eu lhe trouxe a caneca que tinha acabado de encher e
coloquei-a sobre a mesa diante dela. Ela se encolheu quando me aproximei, como se eu fosse
portador de alguma doença contagiosa. Comecei a pensar se eu estaria cheirando mal por
causa do trabalho no estábulo. Entendi que não, pois Moli certamente teria mencionado uma
coisa dessas. Moli era sempre muito franca comigo sobre esses assuntos.
Tirei uma caneca de cerveja para mim e, em seguida, olhando ao redor, pensei que seria
melhor levar a comida comigo para o quarto. A atitude da senhora mostrava que ela estava
pouco à vontade na minha presença. Mas, quando estava me esforçando para manter em