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se um deles começasse a assaltar viajantes, outros o imitariam, e o resultado seria quase o
mesmo que um grupo de assaltantes.
– Talvez – parecia apaziguada com meus argumentos. – Olha, vamos ali em cima para
comer.
“Ali em cima” era uma saliência na orla da falésia, e não no quebra-mar. Mas concordei, e
gastamos os minutos seguintes para subirmos eu, ela e o cesto. Tal feito exigiu uma escalada
mais árdua do que as nossas expedições anteriores. Dei por mim observando a forma como
Moli lidava com as saias e aproveitando as oportunidades que surgiam para segurá-la pelo
braço a fim de equilibrá-la ou pegar na sua mão para ajudá-la num ponto mais íngreme,
enquanto ela segurava o cesto. Nesse momento, percebi que a sugestão de Moli para que
fôssemos ali em cima tinha sido a sua maneira de manipular a situação para fazer acontecer
precisamente isso. Por fim, chegamos à saliência do rochedo e nos sentamos, olhando o
horizonte sobre o mar com o cesto entre nós, e eu me deliciando com a percepção do interesse
dela por mim. A situação me lembrou das clavas dos malabaristas na Festa da Primavera, de
como eles as manejavam de um lado para o outro, cada vez mais depressa. O silêncio durou
até o momento em que um de nós tinha de dizer alguma coisa. Olhei-a, mas ela desviou o
olhar. Olhou para o cesto e disse:
– Ah, vinho de dente-de-leão? Pensei que não estivesse bom para beber até meados do
inverno.
– É do ano passado... teve um inverno para amadurecer – disse-lhe e peguei a garrafa para
soltar a rolha com a faca. Ela observou minha tentativa durante algum tempo. Depois, tirou a
garrafa das minhas mãos e, desembainhando a própria faca fininha, espetou a rolha e virou-a
com um jeito experiente que me deixou com inveja.
Ela notou a maneira como eu a olhava e encolheu os ombros.
– Abri garrafas para meu pai a vida toda. Costumava ser eu porque ele estava sempre muito
bêbado. Agora é porque ele já não tem força nas mãos, mesmo quando está sóbrio.
Dor e amargura se misturaram nas palavras dela.
– Ah – mudei para um assunto mais agradável. – Olha, o Donzela da Chuva. Apontei para
um navio de casco lustroso que se aproximava a remos do porto. – Sempre o achei o navio
mais belo do porto.
– Ele está de patrulha. Os mercadores de tecidos fizeram uma arrecadação. Quase todos os
comerciantes da cidade contribuíram. Até eu, embora somente pudesse oferecer velas para as
lanternas. Está guarnecido de guerreiros agora e escolta os navios mercantes daqui até os
Fundos Altos, onde o Borrifo Verde vai ao seu encontro e continua adiante com eles, pela
costa.
– Não sabia nada disso – fiquei surpreso por não ter ouvido falar daquele assunto na torre.
O meu coração se partiu: até a Cidade de Torre do Cervo estava tomando medidas,
independentemente do conselho ou consentimento do rei. E foi o que eu pude dizer.
– Bem, o povo tem de se mexer, se tudo o que o Rei Sagaz vai fazer em relação ao
problema é dar um estalo com a língua e franzir a testa. É bonito da parte dele nos pedir para
sermos fortes, enquanto ele está sentado a salvo no castelo. Não é como se o seu filho ou
irmão ou sua caçula estivessem em risco de serem Forjados.
Fiquei envergonhado por não poder dizer nada em defesa do meu rei. E a vergonha me
incitou a dizer: