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manhãs livres de lições, mas muito mais trabalho com os cavalos e cães, especialmente
porque Garrano tinha viajado a Lago do Bode com Majestoso para tratar dos seus cavalos e
cães durante uma caçada de verão.
Em compensação, os meus finais de tarde eram menos supervisionados, e eu tinha mais
tempo para visitar o povoado.
Meus passeios vespertinos com Moli tinham se tornado quase uma rotina agora. A saúde do
pai dela estava fraca e ele não precisava beber muito para todas as noites cair bem cedo num
sono pesado. Moli trazia um pouco de queijo e salsichas, ou algum pão e peixe defumado;
então arranjávamos um cesto e uma garrafa de vinho barato, e andávamos pela praia até o
quebra-mar. Sentávamos aí, sobre os rochedos que irradiavam o último calor do dia, e Moli
me contava do seu trabalho e das fofocas do dia, e eu a escutava. Às vezes os nossos
cotovelos se tocavam enquanto andávamos.
– Sara, a filha do açougueiro, disse-me que quer que o inverno volte. Os ventos e o gelo
vão fazer os Navios Vermelhos regressarem às suas próprias costas por um tempo, e irão nos
dar um período de descanso do medo, diz ela. Mas Quelinha diz que, embora seja verdade que
poderemos então deixar de ter medo dos Forjamentos, ainda teremos de temer os Forjados que
andam à solta nas nossas terras. Há rumores de que alguns de Forja deixaram o local, agora
que já não há nada por lá para roubar, e vagueiam pelas nossas terras, como bandidos,
assaltando os viajantes.
– Duvido. O mais provável é que outros estejam executando os assaltos, mas tentando se
passar por Forjados para escaparem da punição. Os Forjados não têm noção suficiente de
comunidade para formar bandos do que quer que seja – eu a contrariei de um jeito um pouco
indolente. Estava observando a baía, com os olhos quase fechados por causa do brilho do sol
sobre a água. Não precisava olhar Moli para senti-la ali, perto de mim. Era uma tensão
interessante, uma tensão que eu não compreendia por completo. Ela tinha dezesseis anos, e eu
cerca de quatorze, e esses dois anos pairavam entre nós como uma barreira intransponível.
Contudo, ela arranjava sempre tempo para mim e parecia apreciar a minha companhia. Ela
parecia me notar tanto quanto eu a notava, mas, quando eu sondava sua mente, ela se escondia,
parando para tirar uma pedrinha do sapato ou falando de repente da doença do pai e do quanto
ele precisava dela. Por outro lado, quando eu afastava os meus sentidos daquela tensão, ela se
tornava insegura e calada, e tentava olhar o meu rosto, a curva da minha boca e os meus olhos.
Não compreendia aquilo, mas era como se segurássemos um fio tenso entre nós. Naquele
momento, percebi uma certa irritação nas suas palavras.
– Ah, estou vendo. E você conhece muito os Forjados, não conhece? Mais do que aqueles
que foram roubados por eles?
As palavras ásperas dela me pegaram de surpresa, e por um momento ou dois não soube o
que dizer. Moli não estava a par de nada sobre o meu relacionamento com Breu, quanto mais
sobre a minha viagem a Forja. Para ela, eu era um garoto de recados da torre, trabalhando
para o mestre do estábulo, quando não estava fazendo compras para o escriba. Não podia
revelar a ela nada do meu conhecimento em primeira mão, e ainda menos de como eu tinha
sentido o que realmente era um Forjamento.
– Ouço os guardas falando disso, quando estão perto do estábulo e da cozinha à noite.
Soldados como eles já viram todo tipo de gente e são eles que dizem que os Forjados já não
têm mais nada de amizades, nem família, nem laços de parentesco. Ainda assim, suponho que,