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dentro das chamas.
– Às vezes – resmungou Breu – é melhor estar errado, mas desafiador, do que silencioso e
resignado. Olha, garoto, se você, um mero rapaz, pode compreender que em uma situação
como esta qualquer decisão seja errada, outras pessoas também podem perceber isso. Mas
pelo menos esse édito nos daria uma resposta conjunta. Não seria como se cada povoado
fosse deixado sozinho lambendo as próprias feridas. E, em conjunto com esse édito, Sagaz e
Veracidade deviam tomar outras ações – inclinou-se mais perto para olhar o líquido
borbulhante. – Mais calor – sugeriu.
Peguei um pequeno fole e dobrei-o cuidadosamente.
– Por exemplo?
– Organizar ataques em resposta contra os Ilhéus. Providenciar barcos e mantimentos a
quem quer que tenha vontade de levar a cabo tal ataque. Proibir os rebanhos de andar tão
tentadoramente pelas pastagens nas proximidades da costa. Abastecer as vilas com mais
armas, se não podemos dar a cada uma delas soldados para a protegerem. Pelo arado de Eda,
por que não lhes dar semente de carris e erva-moura para carregarem numa bolsa atada aos
pulsos de forma que, caso sejam capturados num ataque, possam tirar as próprias vidas em
vez de se tornarem reféns? Qualquer coisa, garoto. A essa altura, qualquer coisa que o rei
fizesse seria melhor do que esta maldita indecisão.
Sentei-me encarando Breu. Nunca o tinha ouvido falar com tanta veemência, nem o tinha
visto criticar Sagaz tão abertamente. Fiquei chocado. Segurei a respiração, esperando que
dissesse mais, mas quase temeroso do que pudesse ouvir. Ele parecia não notar o meu olhar
fixo.
– Empurre-o um pouco mais para dentro do fogo, mas tenha cuidado. Se explodir, o Rei
Sagaz pode vir a ter dois homens pustulentos em vez de um – olhou-me de relance. – Sim, foi
assim que fiquei marcado. Mas olhe, bem que podia ter sido uma doença pustulenta, a julgar
pela maneira como Sagaz ouve o que tenho para lhe dizer ultimamente. “Pode proferir quantos
augúrios e avisos você quiser”, disse-me, “mas eu acho que você quer que o garoto seja
treinado no Talento simplesmente porque você não foi. É uma ambição ruim, Breu. Deixe-a de
lado”. Assim fala o fantasma da rainha com a língua do rei.
A amargura de Breu me imobilizou.
– Cavalaria. Era dele que precisávamos agora – continuou, depois de um momento. – Sagaz
hesita, e Veracidade é um bom soldado, mas ouve demais o pai. Veracidade foi criado para
ser o segundo, não o primeiro. Não toma a iniciativa. Precisamos de Cavalaria. Ele teria ido
àquelas vilas, falado com os que perderam os entes queridos em Forjamentos. Caramba, ele
teria falado até com os próprios Forjados...
– Você acha que teria servido de alguma coisa? – perguntei delicadamente. Quase não
ousava me mexer. Parecia que Breu falava mais consigo próprio do que comigo.
– Não teria resolvido nada, não, mas o povo sentiria que o regente se preocupa. Às vezes é
o que é preciso, garoto, mas tudo o que Veracidade faz é marchar os seus soldados de
brinquedo por aí e ponderar estratégias. E Sagaz observa as coisas acontecerem, e não pensa
no seu povo, mas apenas em como garantir que Majestoso seja mantido a salvo e a postos para
tomar o poder, se Veracidade acabar sendo morto.
– Majestoso? – balbuciei, surpreso.
Majestoso, com as suas roupinhas bonitas e as suas poses de frangote? Eu o via andar