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Fiquei contente com o seu sucesso. Ouvi até mesmo comentários, mais do que uma vez, de
que o Príncipe Veracidade devia arranjar para si mesmo uma dama com sentimentos
semelhantes. Como acontecia com frequência quando estava ausente, resolvendo assuntos
internos e perseguindo os salteadores, o povo começava a sentir a necessidade de um regente
forte em casa. O velho rei, Sagaz, ainda era nominalmente o soberano, mas, como Bronco
observou, as pessoas tendem a olhar para o futuro.
– E – acrescentou – as pessoas gostam de saber que o Príncipe Herdeiro tem uma cama
quente para onde voltar. Dá a eles algo para imaginar. Poucos podem ter romance nas suas
próprias vidas, por isso imaginam tudo o que podem para o rei. Ou o príncipe.
Mas o próprio Veracidade, eu sabia, não tinha tempo para pensar em camas bem aquecidas,
ou sequer em qualquer tipo de cama. Forja tinha sido, ao mesmo tempo, um exemplo e uma
ameaça. Outras se seguiram, três em rápida sucessão. Quintinha, perto das Ilhas Próximas,
tinha sido aparentemente “Forjada pelos Salteadores”, como se começou a dizer algumas
semanas antes. As notícias demoraram a chegar das costas geladas, mas, quando chegaram,
eram assustadoras. De Quintinha também foram levados reféns. O conselho da povoação tinha
ficado, como Sagaz, estupefato com o ultimato dos Navios Vermelhos de que deveriam pagar
tributo ou os reféns seriam devolvidos. Não pagaram. E, como em Forja, os reféns foram
devolvidos, na maior parte saudáveis de corpo, mas destituídos de quaisquer das emoções
mais bondosas da humanidade. O rumor era de que Quintinha tinha sido mais direta na solução
do problema. O clima severo das Ilhas Próximas cria um povo severo, que considerou um ato
de caridade passar pela lâmina da espada os familiares agora desprovidos de alma.
Dois outros povoados foram atacados depois de Forja. Em Porta da Rocha, a população
decidiu pagar o resgate. Partes de corpos apareceram na costa no dia seguinte, e a vila se uniu
para sepultá-los. As notícias chegaram a Torre do Cervo sem pedidos de desculpa; apenas
com a acusação velada de que, se o rei tivesse sido mais cauteloso, teriam recebido pelo
menos um aviso antes do ataque.
Os habitantes de Charco da Ovelha enfrentaram o desafio de um jeito direto. Recusaram-se
a pagar tributos, mas, com os rumores de Forja ainda correndo frescos pela terra, prepararamse.
Foram ao encontro dos reféns devolvidos com cabrestos e algemas. Pegaram de volta os
seus, em alguns casos tendo de espancá-los até perderem os sentidos antes de os atarem, e os
levaram de volta para casa. O povoado se uniu na tentativa de trazê-los de volta àquilo que
tinham sido. As histórias de Charco da Ovelha eram as mais contadas: de uma mãe que se pôs
aos berros quando puseram ao seu lado o filho para que o embalasse, declarando, enquanto
rogava pragas ao pequeno, que não havia utilidade para uma criatura choramingando e
molhada; da criança que chorava e gritava por estar algemada, para logo dar um salto em
direção ao pai com um espeto de assar carne no momento em que o pobre senhor, de coração
partido, a tinha libertado. Alguns praguejavam, e lutavam, e cuspiam nos seus familiares.
Outros se acomodaram a uma vida de cativeiro e de ócio, comendo a comida e bebendo a
cerveja que eram servidas a eles, sem oferecer quaisquer palavras de gratidão ou afeto. Estes,
libertados das amarras, não atacavam as próprias famílias, mas também não trabalhavam nem
se juntavam aos seus passatempos durante o serão. Roubavam sem remorso, mesmo os
próprios filhos, desperdiçavam dinheiro e devoravam comida como glutões. Não traziam
alegria a ninguém, nem ofereciam uma palavra de gentileza. Apesar disso, as notícias de
Charco da Ovelha eram de que o povo de lá tinha a intenção de perseverar até que a “doença