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o dia em que restava apenas um homem que só abençoava ou amaldiçoava em nome de El. E
ele era um velho magro, com idade demais para o mar, inchado e com dores nos ossos e
com poucos dentes restando na boca. E as suas bênçãos e maldições eram coisas fracas e
insultavam mais do que agradavam a El, a quem pouco serviam velhos raquíticos.
Por fim, veio uma tempestade que devia ter acabado com o velho e o seu pequeno barco.
Mas quando as ondas frias se fecharam sobre ele, agarrou-se aos destroços do barco e
ousou implorar a misericórdia de El, embora todos saibam que ele não tem misericórdia. El
ficou tão irritado com aquela blasfêmia que se recusou a receber o velho no seu mar, mas,
em vez disso, atirou-o para a costa e amaldiçoou-o para que nunca mais navegasse e nunca
morresse. E quando ele rastejou para as ondas salgadas, seu rosto e corpo se encheram de
pústulas, como se tivesse pegado sarna, e ele se levantou, cambaleando, e caminhou em
direção às terras brandas. E, aonde quer que fosse, via apenas os vermes da terra. E
avisou-os da sua loucura, e que El criaria um novo povo mais severo a quem daria a sua
herança. Mas as pessoas não quiseram ouvir, de tão ociosas e acomodadas que tinham se
tornado. E, por todo lado onde o velho andava, as doenças o seguiam. E ele espalhava
todas as doenças pustulentas, as que não se importam se um homem é forte ou fraco, duro
ou mole, mas levam todos os que tocam. E era adequado que assim fosse, pois todos sabem
que as doenças pustulentas se levantam da terra sofrível e se espalham no revirar do solo.
Assim reza a lenda. E assim o Homem Pustulento se tornou o arauto de morte e doença, e
um aviso para os que vivem vidas ociosas e fáceis porque as suas terras são férteis.
O regresso de Veracidade a Torre do Cervo foi gravemente prejudicado pelos acontecimentos
em Forja. Veracidade, pragmático ao extremo, tinha deixado Guarda da Baía assim que os
Duques Calvar e Senxão entraram num acordo no que diz respeito à Ilha de Vigia. De tal
forma que Veracidade e a sua tropa de elite partiram da Guarda da Baía antes que eu e Breu
retornássemos à estalagem. E assim a cansativa viagem de volta teve uma sensação de vazio.
Durante o dia, e em torno das fogueiras à noite, o povo falava de Forja e, mesmo na nossa
caravana, os relatos se multiplicavam e eram floreados.
A minha viagem de volta para casa foi estragada pela retomada por Breu da repugnante
farsa da velha senhora malvada. Tive de servi-la e fazer serviços para ela até o momento em
que as aias em Torre do Cervo apareceram para acompanhá-la de volta aos seus aposentos.
“Ela” vivia na ala das mulheres, e embora eu tivesse me dedicado, nos dias que se seguiram, a
ouvir todo e qualquer rumor sobre ela, não ouvi nada com exceção de que era reclusa e difícil.
Como Breu a tinha criado e mantido aquela existência fictícia, nunca descobri ao certo.
Torre do Cervo, na nossa ausência, parecia ter sofrido uma enxurrada de novos
acontecimentos, de tal forma que senti que tínhamos ficado fora dez anos, e não apenas
algumas semanas. Nem sequer Forja conseguia ofuscar por completo o desempenho da Dama
Graça. A história era contada e recontada, com menestréis competindo para ver qual versão se
tornaria a padrão. Ouvi que o Duque Calvar tinha se ajoelhado e beijado a ponta dos seus
dedos depois de ela ter falado, muito eloquentemente, em fazer das torres as grandiosas joias
da terra de ambos. Uma fonte até me contou que o Duque Senxão tinha agradecido
pessoalmente à senhora e pedido que dançasse com ela aquela noite, quase precipitando uma
desavença de um tipo completamente diferente entre os ducados vizinhos.