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encheu de energia. Ela saltou para a frente, e dei um puxão nas rédeas que trouxeram o baio de
Breu para cavalgar atrás de nós. Breu quase caiu, mas se grudou à sela, e levei nós dois para
fora do povoado morto tão depressa quanto podíamos. Ouvi gritos atrás de nós, mais frios do
que o uivar dos lobos, frios como uma tempestade de vento que desce pela chaminé, mas
estávamos montados e eu estava aterrorizado. Não parei nem deixei Breu tomar as próprias
rédeas até que as casas estivessem bem atrás de nós. A estrada fez uma curva e, ao lado de um
pequeno bosque, finalmente parei. Penso que nem sequer ouvi os pedidos de explicação
furiosos de Breu até aquele momento.
Não lhe dei uma justificação muito coerente. Inclinei-me para a frente sobre o pescoço de
Fuligem e a abracei. Podia sentir o seu cansaço e os tremores do meu próprio corpo. Sabia
que, de alguma forma, ela compartilhava o desconforto que eu sentia. Pensei naquela gente
vazia que tínhamos deixado para trás em Forja e incitei Fuligem com o joelho. Ela começou a
andar cansada e Breu nos acompanhou, exigindo que eu lhe explicasse qual era o problema.
Minha boca estava seca e a minha voz tremia. Não o olhei enquanto arfava para me libertar do
medo e preparar uma explicação daquele sentimento deturpado que me consumia.
Enquanto permanecia em silêncio, os cavalos continuaram a descer pela estrada de terra
batida. Por fim, ganhei coragem e encarei Breu, que me olhava como se cornos de veado
tivessem crescido no topo da minha cabeça. Uma vez consciente desse meu novo sentido, não
podia ignorá-lo. Senti o ceticismo dele, mas também senti Breu se distanciar de mim, pôr-se
ligeiramente na retaguarda, erguendo uma tênue barreira de proteção contra alguém que de
repente tinha se tornado um pouco menos familiar. E isso me magoava ainda mais porque ele
não tinha se colocado assim diante das pessoas de Forja, e elas eram cem vezes mais
estranhas do que eu.
– São como marionetes – eu disse a Breu. – Como coisas de madeira representando uma
peça maligna. E se nos tivessem visto, não teriam hesitado em nos matar por causa dos
cavalos e capas, ou por um pedaço de pão. Eram... – Procurei por palavras. – Deixaram de ser
sequer animais. Nada vem deles. Nada. São coisas separadas. Como uma coleção de livros,
ou pedras ou...
– Garoto – disse Breu, num tom que mesclava gentileza e irritação. – você precisa se
controlar. Foi uma longa noite de viagem para nós dois e você está cansado. Foi tempo demais
sem sono, e a mente começa a nos trair, com sonhos acordados e...
– Não – estava desesperado para convencê-lo. – Não é isso. Não é algo que mude com o
sono.
– Voltaremos lá – ele disse.
A brisa da manhã moveu em redemoinho a capa negra em torno dele, de uma forma tão
normal que senti meu coração partindo. Como podiam existir aquelas pessoas na aldeia e esta
simples brisa da manhã no mesmo mundo? E Breu, falando numa voz tão calma e normal?
– Aquela gente é apenas gente comum, garoto, mas passaram por uma experiência muito
ruim, e por causa disso estão agindo de uma forma estranha. Conheci uma moça que viu o pai
ser morto por um urso. E foi assim que ela ficou, pasma e grunhindo, sem se mover sequer
para cuidar de si mesma, por mais de um mês. Aquelas pessoas vão se recuperar assim que
voltarem às suas vidas normais.
– Alguém está à nossa frente! – avisei-o.
Não tinha ouvido nada, nem visto nada, tinha apenas sentido um puxão naquela rede de