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– Você está cheirando a semente de carris – eu disse, não acreditando nas minhas próprias
palavras.
Mas tinha captado o odor doce e inconfundível da semente e do óleo no seu hálito. Eu tinha
comido bolos de semente de carris durante a Festa da Primavera, quando todas as pessoas os
comem, e sabia da energia impulsiva que mesmo uma pequena quantidade da semente em cima
de um bolo pode trazer. Todo mundo celebrava o Limiar da Primavera dessa maneira. Uma
vez por ano, que mal podia fazer? Mas sabia também que Bronco tinha me avisado para nunca
comprar um cavalo que cheirasse a semente de carris. E tinha me avisado também que se eu
pegasse alguém pondo óleo de semente de carris nos grãos dos nossos cavalos, ele o mataria.
Com as próprias mãos.
– Ah, estou? Imaginem só. Agora. Sugiro que, se tiver de fazer os cavalos nadarem, ponha a
camisa e a capa num saco e o entregue para mim no barco. Dessa forma, terá pelo menos
alguma coisa seca para vestir quando chegarmos à praia. Da praia, a nossa estrada será...
– Bronco diz que a partir do momento em que um animal ingere as sementes, nunca mais é o
mesmo. Acontecem coisas com os cavalos. Diz que podem ser usadas para ganhar uma
corrida, ou capturar um veado, mas, depois disso, o animal nunca será o que era. Diz que
vendedores de cavalos desonestos as usam para fazer um animal parecer melhor durante a
venda; as sementes lhes dão coragem e fazem os olhos deles brilharem, mas isso passa
depressa. Bronco diz que tiram a sensação de cansaço deles, e que continuam ativos, além do
ponto em que já deveriam ter caído de exaustão. Bronco me disse que muitas vezes, quando o
efeito passa, o cavalo simplesmente cai.
As palavras transbordaram de mim como água fria contra as rochas.
Breu levantou o olhar do mapa. Fitou-me calmamente.
– Imagino o Bronco sabendo disso tudo sobre sementes de carris. Fico contente que você o
tenha escutado tão atentamente. Agora talvez possa ter a bondade de me dar a mesma atenção
enquanto planejamos a próxima fase da nossa travessia.
– Mas, Breu...
Ele me paralisou com os olhos.
– Bronco é um bom mestre de cavalos. Mesmo quando garoto já demonstrava muita aptidão.
Raramente se engana... no que diz respeito a cavalos. Agora preste atenção no que eu estou te
dizendo. Precisaremos de uma lanterna para alcançar as falésias da praia. O caminho é muito
ruim, talvez tenhamos que levar para cima um cavalo de cada vez, mas me disseram que é
possível fazer isso. Daí, vamos a Forja. Não há estrada que nos leve lá rápido o suficiente
para que seja de alguma utilidade. É um território montanhoso, mas não arborizado. E será à
noite, de modo que as estrelas terão de servir de mapa para nós. Espero que consigamos
chegar a Forja no meio da tarde. Chegaremos como viajantes, você e eu. É isso o que decidi
até agora, o resto terá de ser planejado de hora em hora...
E lá se foi o momento em que eu poderia ter perguntado a ele como é que ele conseguia usar
a semente e não morrer disso; aquilo tinha sido posto de lado pelos seus planos cuidadosos e
detalhes precisos. Durante mais meia hora, continuou a fazer uma exposição de pormenores, e
então me mandou abandonar a cabine, dizendo que tinha outros preparativos para fazer e que
eu devia ver como estavam os cavalos e aproveitar para descansar o quanto pudesse.
Os cavalos estavam na parte da frente do barco, dentro de uma cerca provisória feita com
cordas no convés, atapetado com palha para protegê-lo dos cascos e excrementos. Um