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Era um discurso desajeitado, longe da explanação habilidosa que eu esperara alcançar, mas
caiu no gosto dela. Pude vê-la imaginando-se aprumada e nobre em frente ao Príncipe
Herdeiro e deixando-o maravilhado com o seu sacrifício. Senti nela o desejo ardente de se
destacar, de ser admirada pelo povo de que provinha. Talvez tivesse sido antes leiteira ou
criada da cozinha, e assim ainda a vissem os que a tinham conhecido. Isso mostraria a eles que
ela era agora uma duquesa, mais do que apenas um nome. O Duque Senxão e o seu séquito
divulgariam o seu feito pelo Ducado de Razos. Os menestréis celebrariam as suas palavras em
canções. E seu marido, por sua vez, ficaria surpreendido com ela. Passaria a vê-la como
alguém que se preocupava com a terra e o povo, e não apenas como uma coisinha bonita que
tinha caçado com o seu título. Podia quase ver os pensamentos desfilarem pela mente dela. Os
seus olhos tinham se tornado distantes e o seu rosto estampava um sorriso abstrato.
– Boa noite, garoto dos cães – disse ela gentilmente, e saiu da cozinha, o cão aninhado junto
ao peito.
Ela trazia o cobertor em volta dos ombros como se fosse um manto de arminho.
Representaria muito bem o seu papel no dia seguinte. Esbocei subitamente um grande sorriso,
imaginando que talvez tivesse cumprido a minha missão sem necessitar de veneno. Não que
tivesse realmente investigado se Calvar era culpado de traição, mas tinha a impressão de ter
cortado o mal pela raiz. Podia apostar que as torres de vigia seriam bem guardadas antes de
uma semana.
Refiz o caminho de volta à cama. Tinha roubado um pedaço de pão fresco da cozinha, que
ofereci aos guardas que me deixaram voltar ao quarto de Veracidade. Numa parte distante de
Guarda da Baía alguém anunciou a hora. Não prestei muita atenção. Eu me enfiei outra vez na
cama, a barriga satisfeita e o espírito antecipando o espetáculo que a Dama Graça daria no dia
seguinte. Adormeci enquanto apostava comigo mesmo que ela vestiria algo liso, simples e
branco, e que usaria o cabelo solto.
Nunca cheguei a saber como se passou. Tive a impressão de que se passaram apenas alguns
momentos até me acordarem com um chacoalhão. Abri os olhos para encontrar Carimo
debruçado em cima de mim. A luz fraca de uma vela acesa projetava sombras alongadas nas
paredes do quarto.
– Acorde, Fitz – sussurrou numa voz rouca. – Um mensageiro veio à torre, a mando da
Dama Timo. Requer a sua presença imediatamente. O seu cavalo está sendo preparado.
– A minha presença? – perguntei estupidamente.
– Claro. Separei umas roupas para você. Vista-se sem fazer barulho. Veracidade ainda está
dormindo.
– Ela precisa de mim para quê?
– Não sei. A mensagem não era específica. Talvez esteja doente, Fitz. O mensageiro disse
apenas que ela requer a sua presença imediatamente. Suponho que você vai descobrir quando
chegar lá.
Aquilo era um suave consolo, mas suficiente para despertar a minha curiosidade e, de
qualquer forma, eu tinha de ir. Não sabia exatamente qual era a relação de Dama Timo com o
rei, mas ela estava bem acima de mim em importância. Não ousava ignorar as suas ordens.
Vesti-me depressa à luz da vela e deixei o quarto pela segunda vez na noite. Mano tinha
deixado Fuligem equipada e pronta, juntamente com uma piada de mau gosto sobre aquela
convocação. Sugeri como ele poderia se distrair sozinho o resto da noite e fui embora. Recebi