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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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Era um discurso desajeitado, longe da explanação habilidosa que eu esperara alcançar, mas

caiu no gosto dela. Pude vê-la imaginando-se aprumada e nobre em frente ao Príncipe

Herdeiro e deixando-o maravilhado com o seu sacrifício. Senti nela o desejo ardente de se

destacar, de ser admirada pelo povo de que provinha. Talvez tivesse sido antes leiteira ou

criada da cozinha, e assim ainda a vissem os que a tinham conhecido. Isso mostraria a eles que

ela era agora uma duquesa, mais do que apenas um nome. O Duque Senxão e o seu séquito

divulgariam o seu feito pelo Ducado de Razos. Os menestréis celebrariam as suas palavras em

canções. E seu marido, por sua vez, ficaria surpreendido com ela. Passaria a vê-la como

alguém que se preocupava com a terra e o povo, e não apenas como uma coisinha bonita que

tinha caçado com o seu título. Podia quase ver os pensamentos desfilarem pela mente dela. Os

seus olhos tinham se tornado distantes e o seu rosto estampava um sorriso abstrato.

– Boa noite, garoto dos cães – disse ela gentilmente, e saiu da cozinha, o cão aninhado junto

ao peito.

Ela trazia o cobertor em volta dos ombros como se fosse um manto de arminho.

Representaria muito bem o seu papel no dia seguinte. Esbocei subitamente um grande sorriso,

imaginando que talvez tivesse cumprido a minha missão sem necessitar de veneno. Não que

tivesse realmente investigado se Calvar era culpado de traição, mas tinha a impressão de ter

cortado o mal pela raiz. Podia apostar que as torres de vigia seriam bem guardadas antes de

uma semana.

Refiz o caminho de volta à cama. Tinha roubado um pedaço de pão fresco da cozinha, que

ofereci aos guardas que me deixaram voltar ao quarto de Veracidade. Numa parte distante de

Guarda da Baía alguém anunciou a hora. Não prestei muita atenção. Eu me enfiei outra vez na

cama, a barriga satisfeita e o espírito antecipando o espetáculo que a Dama Graça daria no dia

seguinte. Adormeci enquanto apostava comigo mesmo que ela vestiria algo liso, simples e

branco, e que usaria o cabelo solto.

Nunca cheguei a saber como se passou. Tive a impressão de que se passaram apenas alguns

momentos até me acordarem com um chacoalhão. Abri os olhos para encontrar Carimo

debruçado em cima de mim. A luz fraca de uma vela acesa projetava sombras alongadas nas

paredes do quarto.

– Acorde, Fitz – sussurrou numa voz rouca. – Um mensageiro veio à torre, a mando da

Dama Timo. Requer a sua presença imediatamente. O seu cavalo está sendo preparado.

– A minha presença? – perguntei estupidamente.

– Claro. Separei umas roupas para você. Vista-se sem fazer barulho. Veracidade ainda está

dormindo.

– Ela precisa de mim para quê?

– Não sei. A mensagem não era específica. Talvez esteja doente, Fitz. O mensageiro disse

apenas que ela requer a sua presença imediatamente. Suponho que você vai descobrir quando

chegar lá.

Aquilo era um suave consolo, mas suficiente para despertar a minha curiosidade e, de

qualquer forma, eu tinha de ir. Não sabia exatamente qual era a relação de Dama Timo com o

rei, mas ela estava bem acima de mim em importância. Não ousava ignorar as suas ordens.

Vesti-me depressa à luz da vela e deixei o quarto pela segunda vez na noite. Mano tinha

deixado Fuligem equipada e pronta, juntamente com uma piada de mau gosto sobre aquela

convocação. Sugeri como ele poderia se distrair sozinho o resto da noite e fui embora. Recebi

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