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entre Veracidade e o Duque Calvar, numa discussão a portas fechadas no dia seguinte, mas
muito do que ouvi se referia à guarda da torre da Ilha de Vigia e esboçava os estranhos
contornos daquela situação.
Ouvi reclamações de que as estradas não eram tão bem conservadas quanto antes. Alguém
comentou que ficaria contente se visse os trabalhos nas fortificações de Guarda da Baía serem
retomados. Um homem se queixou de que os bandidos no interior eram tantos que ele quase
não podia esperar que mais de dois terços das suas mercadorias chegassem de Vara. Isso
também parecia ser o fundamento das reclamações da minha companheira de mesa sobre a
falta de tecido de qualidade. Olhei para o Duque Calvar e para a forma como ele tomava nota
de todos os gestos da jovem esposa. Como se Breu sussurrasse ao meu ouvido, ouvi a sua
análise da situação.
– Eis um duque cuja mente não está na tarefa de governar o seu ducado.
Suspeitei que a Dama Graça estivesse vestindo os reparos de que as estradas necessitavam
e os salários dos soldados que teriam mantido as rotas mercantes devidamente guardadas
contra os salteadores. Talvez as joias que pendiam das suas orelhas tivessem servido para
pagar a guarda das torres da Ilha de Vigia.
O jantar finalmente acabou. O meu estômago estava cheio, mas a fome persistia, de tão
pouco substanciosa que a refeição tinha sido. Depois disso, dois menestréis e um poeta nos
mantiveram entretidos, mas deixei os ouvidos mais afinados para as conversas casuais dos
presentes do que para os finos versos do poeta e as baladas dos menestréis. Calvar sentou-se
à direita do príncipe, enquanto a sua senhora se sentou à esquerda, com o cão no colo,
dividindo a cadeira com ela.
Graça estava encantada com a presença do príncipe. As suas mãos mexiam-se
frequentemente para tocar num brinco ou num bracelete. Não estava acostumada a usar tantas
joias. A minha suspeita era de que ela vinha de uma família simples e estava fascinada com a
própria posição. Um menestrel cantou “Bela Rosa no Meio do Trevo”, com os olhos fixos
nela, e foi recompensado com um rubor das suas bochechas. Contudo, à medida que
transcorria o sarau, e que eu me sentia mais cansado, fui notando que a Dama Graça murchava.
Bocejou uma vez, levantando a mão tarde demais para encobrir a boca. O pequeno cão tinha
adormecido no seu colo, e contorcia-se e gania ocasionalmente nos sonhos do seu pequeno
cérebro. À medida que se tornava mais sonolenta, comecei a achá-la mais parecida com uma
criança; afagava o cão como se fosse uma boneca, e encostou a cabeça ao canto da cadeira.
Começou a cambalear por duas vezes. Vi-a beliscar disfarçadamente a pele dos pulsos num
esforço para se manter acordada. Ficou visivelmente aliviada quando Calvar chamou os
menestréis e o poeta para recompensá-los pelo sarau. Tomou o braço do seu senhor para
segui-lo rumo ao quarto sem nunca largar o cão que acomodava no colo.
Senti-me aliviado ao subir a escadaria em direção à antessala de Veracidade. Carimo tinha
arrumado uma cama de penas para mim e alguns lençóis. Era tão confortável quanto a minha
própria cama. Estava ansioso para dormir, mas Carimo fez um gesto para que eu fosse ao
quarto de Veracidade. Veracidade, sempre soldado, não precisava de lacaios para andarem
por ali e descalçarem as suas botas. Apenas Carimo e eu o servimos. Carimo papagueava e
resmungava enquanto seguia os passos de Veracidade, pegando e alisando as vestimentas que
o príncipe casualmente largava. Imediatamente levou as botas de Veracidade para um canto e
começou a espalhar mais cera no couro. Veracidade enfiou uma camisola pela cabeça e virou-