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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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reunida logo abaixo. Olhei os rostos que se viravam para observar o príncipe e tive tempo de

ler neles todas as emoções conhecidas pela humanidade. Algumas mulheres se desmanchavam

em sorrisos abobados, enquanto outras não contiveram olhares de desdém. Alguns jovens

assumiram poses que exibiam as suas roupas; outros, vestidos com mais simplicidade,

endireitaram-se como se estivessem em posição de guarda. Vi inveja e amor, desdém, medo e,

em alguns rostos, ódio. Mas Veracidade não deu a ninguém mais do que um olhar de relance

antes de descer. A multidão abriu alas diante de nós para revelar o Duque Calvar em pessoa,

esperando para nos conduzir ao salão de jantar.

Calvar não era o que eu esperava. Veracidade o tinha chamado de vaidoso, mas o que vi foi

um homem que envelhecia rapidamente, magro e preocupado, que trajava roupas extravagantes

como se fossem uma armadura contra o tempo. Tinha o cabelo grisalho puxado para trás num

fino rabo de cavalo, como se fosse ainda um homem de armas, e andava com o passo peculiar

de um experiente espadachim.

Vi-o como Breu tinha me ensinado a observar as pessoas, e pensei que o compreendia

suficientemente bem mesmo antes de nos sentarmos, mas foi após tomarmos os nossos lugares

à mesa (e o meu, para minha surpresa, não era muito longe dos mais altos dignatários) que

obtive o mais profundo vislumbre da alma do homem, e que não foi proporcionado por

nenhum ato seu, mas pelo porte da sua senhora quando chegou e se juntou a nós.

Duvido que a diferença de idade entre mim e a Dama Graça de Calvar não pudesse ser

contada nos dedos de uma mão. Estava enfeitada como o ninho de uma gralha. Nunca tinha

visto antes vestimentas que falassem tão espalhafatosamente de gastos e tão pouco de gosto.

Tomou o seu lugar numa chuva de floreados e gestos que lembravam um pássaro em rituais de

acasalamento. O seu perfume avançou sobre mim como uma onda, e este também falava mais

de moedas do que de flores. Trazia um pequeno cão consigo, que era todo pelo sedoso e olhos

esbugalhados. Falou com ele em tons de mimo, enquanto o acomodava no colo, e o pequeno

animal aninhou-se de encontro a ela e pousou o queixo na borda da mesa. Os olhos de Dama

Graça mantinham-se fixos no Príncipe Veracidade, tentando ver se ele a notava e se estava

impressionado. Da minha parte, observei Calvar encarando-a enquanto flertava com o

príncipe e pensei: aí está mais da metade dos nossos problemas em manter as torres de vigia

guardadas.

O jantar foi um suplício. Estava com muita fome, mas as boas maneiras me proibiam de

mostrá-la. Comi como tinha sido instruído, pegando na minha colher quando Veracidade

pegava na sua, e pondo um prato de lado assim que ele tivesse mostrado desinteresse por ele.

Ansiava por uma boa travessa de carne quente com pão ensopado de molho, mas, em vez

disso, o que nos ofereceram foram pedacinhos de carne temperada de um jeito estranho,

compotas exóticas de fruta, pães brancos e legumes cozidos até ficarem sem cor e então

condimentados. Era uma demonstração impressionante de boa comida maltratada em nome da

cozinha da moda. Podia notar que o apetite de Veracidade estava tão frouxo quanto o meu e

me perguntei se todos podiam notar que o príncipe não estava muito impressionado.

Breu tinha me ensinado melhor do que eu tinha percebido. Fui capaz de assentir

educadamente à minha companheira de jantar, uma jovem mulher sardenta, e acompanhar a sua

conversa sobre as dificuldades em obter tecido de linho de qualidade em Rasgão naqueles

dias, enquanto deixava os ouvidos divagarem o suficiente para captar o essencial das demais

conversas à mesa. Nenhuma era sobre o assunto que tinha nos trazido ali. Este seria debatido

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