O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

27.02.2021 Views

obrigados a escoltar a liteira de Dama Timo por várias ruazinhas até chegarmos à estalagemque ela tinha insistido em usar. Ela já tinha pernoitado lá antes, a julgar pelo comportamentoda camareira. Mano levou os cavalos e a liteira para os estábulos, mas eu tive de suportá-la,apoiando todo o seu peso no meu braço enquanto eu a acompanhava até o quarto. Eu mequestionei sobre o que ela teria comido, com um tempero tão nojento, que cada exalação doseu hálito era um verdadeiro sacrifício para mim. Mandou-me embora quando chegamos àporta, ameaçando-me com uma infinidade de punições, caso eu não voltasse pontualmentedepois de sete dias. Quando parti, senti pena da camareira, pois a voz de Dama Timo já seelevava num discurso em voz alta sobre as criadas ladras que tinha encontrado no passado, ede exatamente como queria as roupas da cama arrumadas.Com o coração leve, montei Fuligem e chamei Mano para que se apressasse. Vagueamospelas ruas de Baía Limpa e conseguimos alcançar o final da procissão de Veracidade quandoesta entrava na torre de Calvar. A Guarda da Baía tinha sido construída num terreno plano queoferecia pouca defesa natural, mas era fortificada por uma série de muros e fossos que uminimigo teria de ultrapassar antes de encarar as paredes sólidas de pedra da torre. Mano medisse que nenhum exército atacante tinha alguma vez passado do segundo fosso, e eu acrediteinele. Havia homens trabalhando na manutenção dos muros e fossos quando passamos, maspararam e ficaram olhando maravilhados a chegada do Príncipe Herdeiro à Guarda da Baía.Quando os portões da fortaleza se fecharam atrás de nós, houve outra interminávelcerimônia de acolhimento. Todos, homens e cavalos, ficamos plantados sob o sol do meio-diaenquanto Calvar e a Guarda da Baía davam as boas-vindas a Veracidade. Trombetas soarame, em seguida, vozes oficiais sussurraram, abafadas pelo barulho dos cavalos e dos homensque se mexiam. Finalmente a cerimônia acabou, o que foi marcado por um movimento súbitode homens e animais enquanto as formações à nossa frente se dispersavam.Os homens desceram dos seus cavalos, e os rapazes do estábulo de Calvar subitamente jáestavam diante de nós, indicando-nos onde poderíamos dar água aos nossos animais, pernoitare – de suma importância para soldados – comer e nos lavar. Segui atrás de Mano enquantolevávamos Fuligem e o pônei ao estábulo. Ouvi o meu nome e me virei para ver Zigue, deTorre do Cervo, indicando-me a alguém que trajava as cores de Calvar.– Ali está ele, o Fitz. Ei, Fitz! Sentabém diz que estão te chamando. Veracidade quer quevocê vá aos seus aposentos. Leon está doente. Mano, cuide de Fuligem para o Fitz.Quase podia sentir a comida sendo arrancada da minha boca. Mas inspirei fundo eapresentei-me com um rosto alegre a Sentabém, como Bronco tinha me aconselhado. Duvidoque aquele homem seco sequer notasse isso. Para ele eu era apenas mais um subalterno numdia agitado. Levou-me aos aposentos de Veracidade e lá me deixou, sentindo-se visivelmentealiviado por voltar ao estábulo. Bati à porta com suavidade, e um dos homens de Veracidadeimediatamente a abriu para mim.– Ah! Graças a Eda que é você. Entre lá, o animal não come, e Veracidade tem certeza deque é grave. Ande logo, Fitz.O homem usava o brasão de Veracidade, mas eu não me lembrava de alguma vez tê-loconhecido. Às vezes, era desconcertante perceber quantos sabiam quem eu era, ao passo queeu não fazia a mínima ideia de quem eles fossem. Num quarto anexo, Veracidade se banhava einstruía alguém em voz alta sobre as vestes que desejava para a noite. Contudo, não era ele aminha preocupação, mas Leon.

Sondei a mente do bicho, pois não tinha escrúpulos em relação a isso quando Bronco nãoestava por perto. Leon ergueu a cabeça ossuda e olhou-me com olhos de mártir. Estavadeitado sobre a camisa suada de Veracidade, num canto ao lado de uma lareira inutilizada.Sentia-se muito quente, aborrecido e, se não fôssemos caçar nada, preferia voltar para casa.Fingi que o examinava, passando as mãos por seu corpo, erguendo seus beiços paraexaminar as gengivas e pressionando sua barriga firmemente com a mão. Acabei a inspeçãoafagando atrás das suas orelhas e disse ao homem de Veracidade:– Não há nada de errado com ele, está apenas sem fome. Vamos dar um pote de água friapara ele e esperar. Quando quiser comer, ele vai nos avisar. E agora levemos isso tudo daquiantes que estrague no calor, ele o coma e fique realmente doente.Referia-me aos restos de torta numa bandeja que tinha sido preparada para Veracidade.Nada daquilo era comida adequada para um cão, mas eu estava tão esfomeado que não teriame importado eu mesmo de jantar aqueles restos; e, de fato, o meu estômago roncava só deolhar para eles.– Será que se fosse à cozinha, não teriam por lá um osso fresco para ele? Algo que servissemais de brinquedo do que comida é o que o agradaria neste momento...– Fitz. É você? Venha cá, garoto! Qual é o problema do meu Leon?– Vou buscar o osso – assegurou-me o homem, e eu me levantei e fui ao quarto anexo.Veracidade se levantou, pingando do banho, e pegou a toalha que o criado lhe estendia.Passou-a energicamente pelo cabelo e perguntou-me outra vez enquanto se secava:– Qual é o problema do Leon?Aquele era o jeito de ser de Veracidade. Meses tinham se passado desde a última vez emque tínhamos conversado, mas nem por isso gastou seu tempo com saudações. Breu dizia queera um dos seus defeitos, que não fazia os seus homens se sentirem importantes para ele.Pessoalmente, suponho que ele acreditava que se algo de importante tivesse acontecidocomigo, alguém teria lhe dito. Havia uma qualidade vigorosa e direta nele que me agradava,uma suposição de que tudo ia bem a menos que alguém lhe dissesse o contrário.– Não tem nada de grave, senhor. Está um pouco desconfortável com o calor e com aviagem. Uma noite de repouso num lugar fresco vai deixá-lo revigorado; mas eu não oencheria de pedaços de torta, não com este tempo quente.– Bem – Veracidade curvou-se para secar as pernas. – Você tem razão, garoto. Broncosempre diz que você leva jeito com os cães, e não vou ignorar o que ele diz. Só que Leonparecia tão distraído, e normalmente tem bom apetite para tudo, principalmente para o queestiver no meu prato.Pareceu envergonhado, como se tivesse sido pego paparicando uma criança. Fiquei semsaber o que dizer.– Se é tudo, senhor, devo voltar ao estábulo?Olhou-me de relance, por cima do ombro, intrigado.– Parece ser um pouco de perda de tempo. Mano pode cuidar do seu cavalo, não é? Vocêprecisa se lavar e se vestir se quer ir a tempo do jantar. Carimo? Tem água para ele?O criado estava curvado, colocando as vestes de Veracidade sobre a cama. Endireitou-separa responder:– Imediatamente, senhor. E vou preparar também as roupas para ele.No curto espaço da hora seguinte, o meu lugar no mundo pareceu virar-se de cabeça para

Sondei a mente do bicho, pois não tinha escrúpulos em relação a isso quando Bronco não

estava por perto. Leon ergueu a cabeça ossuda e olhou-me com olhos de mártir. Estava

deitado sobre a camisa suada de Veracidade, num canto ao lado de uma lareira inutilizada.

Sentia-se muito quente, aborrecido e, se não fôssemos caçar nada, preferia voltar para casa.

Fingi que o examinava, passando as mãos por seu corpo, erguendo seus beiços para

examinar as gengivas e pressionando sua barriga firmemente com a mão. Acabei a inspeção

afagando atrás das suas orelhas e disse ao homem de Veracidade:

– Não há nada de errado com ele, está apenas sem fome. Vamos dar um pote de água fria

para ele e esperar. Quando quiser comer, ele vai nos avisar. E agora levemos isso tudo daqui

antes que estrague no calor, ele o coma e fique realmente doente.

Referia-me aos restos de torta numa bandeja que tinha sido preparada para Veracidade.

Nada daquilo era comida adequada para um cão, mas eu estava tão esfomeado que não teria

me importado eu mesmo de jantar aqueles restos; e, de fato, o meu estômago roncava só de

olhar para eles.

– Será que se fosse à cozinha, não teriam por lá um osso fresco para ele? Algo que servisse

mais de brinquedo do que comida é o que o agradaria neste momento...

– Fitz. É você? Venha cá, garoto! Qual é o problema do meu Leon?

– Vou buscar o osso – assegurou-me o homem, e eu me levantei e fui ao quarto anexo.

Veracidade se levantou, pingando do banho, e pegou a toalha que o criado lhe estendia.

Passou-a energicamente pelo cabelo e perguntou-me outra vez enquanto se secava:

– Qual é o problema do Leon?

Aquele era o jeito de ser de Veracidade. Meses tinham se passado desde a última vez em

que tínhamos conversado, mas nem por isso gastou seu tempo com saudações. Breu dizia que

era um dos seus defeitos, que não fazia os seus homens se sentirem importantes para ele.

Pessoalmente, suponho que ele acreditava que se algo de importante tivesse acontecido

comigo, alguém teria lhe dito. Havia uma qualidade vigorosa e direta nele que me agradava,

uma suposição de que tudo ia bem a menos que alguém lhe dissesse o contrário.

– Não tem nada de grave, senhor. Está um pouco desconfortável com o calor e com a

viagem. Uma noite de repouso num lugar fresco vai deixá-lo revigorado; mas eu não o

encheria de pedaços de torta, não com este tempo quente.

– Bem – Veracidade curvou-se para secar as pernas. – Você tem razão, garoto. Bronco

sempre diz que você leva jeito com os cães, e não vou ignorar o que ele diz. Só que Leon

parecia tão distraído, e normalmente tem bom apetite para tudo, principalmente para o que

estiver no meu prato.

Pareceu envergonhado, como se tivesse sido pego paparicando uma criança. Fiquei sem

saber o que dizer.

– Se é tudo, senhor, devo voltar ao estábulo?

Olhou-me de relance, por cima do ombro, intrigado.

– Parece ser um pouco de perda de tempo. Mano pode cuidar do seu cavalo, não é? Você

precisa se lavar e se vestir se quer ir a tempo do jantar. Carimo? Tem água para ele?

O criado estava curvado, colocando as vestes de Veracidade sobre a cama. Endireitou-se

para responder:

– Imediatamente, senhor. E vou preparar também as roupas para ele.

No curto espaço da hora seguinte, o meu lugar no mundo pareceu virar-se de cabeça para

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