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esticar as pernas e deixar os animais beberem água. Dama Timo não saiu da liteira uma só
vez, mas, em algum momento, lembrou-me rispidamente de que eu já devia ter trazido água
para ela. Mordi a língua e fui buscar-lhe uma bebida. Foi o mais perto que estivemos de ter
uma conversa.
Quando paramos, o sol ainda estava acima do horizonte. Mano e eu montamos a pequena
tenda da Dama Timo enquanto ela jantava dentro da liteira, comendo, de um cesto de vime,
carnes frias, queijo e vinho que ela tinha se lembrado de trazer. Mano e eu comemos mal,
rações de soldado, constituídas de pão duro, queijo ainda pior e carne seca. No meio da
refeição, Dama Timo requisitou que eu a acompanhasse da liteira à tenda. Saiu agasalhada e
velada como se fosse atravessar uma tempestade de neve. Suas vestes eram de cores variadas
e de várias épocas, mas todas tinham sido caras e de bom corte um dia. Agora, quando ela
apoiava em mim todo o seu peso e mancava para a frente, eu podia sentir um cheiro repulsivo
e misturado de pó, mofo e perfume, com um cheiro de urina mal disfarçado. À porta da liteira,
ela me mandou embora rispidamente e avisou que tinha uma faca e que a usaria, caso eu
tentasse entrar ou incomodá-la de alguma maneira.
– E olha que eu sei bem como usá-la, jovem! – ameaçou-me.
As nossas acomodações eram sempre as mesmas que as dos soldados: o chão e as nossas
capas. Mas a noite estava agradável e fizemos uma pequena fogueira. Mano zombou da minha
cara e riu do meu suposto desejo pela Dama Timo e da faca que me esperava, caso tentasse
algo. Isso levou a uma disputa entre nós, que terminou quando a Dama Timo começou a gritar,
ameaçando-nos por não deixá-la dormir. A partir desse momento, começamos a falar em voz
baixa, e Mano me disse que ninguém tinha me invejado ao saber que eu tinha sido designado
para acompanhá-la; que todas as pessoas que alguma vez tinham viajado com ela passaram a
evitá-la. Avisou-me também que a pior tarefa ainda estava por vir, mas se recusou
veementemente, embora os seus olhos se enchessem de lágrimas de riso, a me dizer do que se
tratava.
Adormeci facilmente, pois, como uma criança, tinha tirado da cabeça a minha verdadeira
missão até que tivesse de encará-la.
Acordei ao raiar do dia, com o gorjeio dos pássaros e o mau cheiro insuportável de um
penico que estava cheio à entrada da tenda de Dama Timo. Embora o meu estômago tivesse se
fortalecido de tanto limpar estábulos e canis, tive de me forçar a despejá-lo e lavá-lo antes de
lhe devolver. Naquele instante, ela já estava me criticando da porta da tenda por eu ainda não
ter trazido água para ela, quente ou fria, nem cozinhado o seu mingau, cujos ingredientes tinha
deixado à minha disposição. Mano tinha desaparecido para ir partilhar da fogueira e das
rações dos soldados, deixando-me com a minha tirana. Quando eu tinha terminado de servi-la
numa bandeja – que ela insistiu que estava desmazeladamente arrumada – e devolvido os
pratos e o pote lavados, o resto da procissão já estava quase pronto para partir, mas ela não
nos deixava desfazer a tenda sem antes estar bem acomodada dentro da liteira. Conseguimos
empacotar tudo numa pressa frenética, e finalmente eu já me encontrava sobre o cavalo sem
uma migalha de café da manhã dentro de mim.
Estava esfomeado depois daquela manhã de trabalho. Mano olhava o meu rosto sombrio
com alguma simpatia e pediu-me com um gesto que cavalgasse mais perto dele. Inclinou-se
para falar comigo.
– Todo mundo, com exceção de nós, já tinha ouvido falar dela – disse, com um breve aceno