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ilógico, ele não é inteligente. A mais alta inteligência e o mais
caloroso coração não podem coexistir numa pessoa, e o sábio que
emite julgamento sobre a vida se coloca também acima da bondade
e a vê apenas como algo a ser avaliado no cômputo geral da vida. O
sábio tem de resistir aos desejos extravagantes da bondade não
inteligente, porque lhe interessa a continuação de seu tipo e o
surgimento final do supremo intelecto: no mínimo ele será favorável
à fundação do "Estado perfeito", se neste há lugar apenas para
indivíduos debilitados. Por outro lado, Cristo, que vemos como o
coração mais cálido, favoreceu o embotamento do ser humano,
pôs-se ao lado dos pobres de espírito e impediu a produção do
intelecto maior: algo que foi coerente. Sua contrapartida, o sábio
perfeito — talvez seja lícito predizer — será também,
necessariamente, um obstáculo à produção de um Cristo. — O
Estado é uma prudente organização que visa proteger os indivíduos
uns dos outros: se exagerarmos no seu enobrecimento, o indivíduo
será enfim debilitado e mesmo dissolvido por ele — e então o
objetivo original do Estado será radicalmente frustrado.
236. As zonas da cultura. — Podemos dizer, utilizando um
símile, que as eras da cultura correspondem aos diversos cinturões
climáticos, com a ressalva de que estão uma atrás da outra, e não
ao lado da outra, como as zonas geográficas. Em comparação com
a zona temperada da cultura, para a qual é nossa tarefa passar, a
era transcorrida dá a impressão, no conjunto, de um clima tropical.
Violentos contrastes, brusca alternância de dia e noite, calor e
magnificência de cores, a veneração do que é repentino, misterioso,
terrível, a rapidez dos temporais, em todo lugar o pródigo
extravasamento das cornucópias da natureza: já em nossa cultura,
um céu claro, embora não luminoso, um ar puro, quase invariável,
agudeza, ocasionalmente frio: assim as duas zonas se distinguem
uma da outra. Ao vermos como lá as paixões mais furiosas são
abatidas e destroçadas com força estranha por concepções
metafísicas, é como se à nossa frente, nos trópicos, tigres
selvagens fossem esmagados sob os anéis de monstruosas
serpentes; em nosso clima espiritual não há eventos assim, nossa
imaginação é temperada; mesmo em sonhos não nos acontece o
que povos anteriores viam de olhos abertos. Mas não podemos
estar felizes com essa mudança, mesmo admitindo que os artistas
foram seriamente prejudicados pelo desaparecimento da cultura
tropical, e a nós, não-artistas, nos consideram um pouco sóbrios
demais? Neste sentido, os artistas talvez tenham o direito de negar
o "progresso", pois pode-se no mínimo duvidar que os últimos três
milênios evidenciem uma marcha de progresso nas artes; do
mesmo modo, um filósofo metafísico como Schopenhauer não terá
motivo para reconhecer um progresso, se olhar para os quatro
últimos milênios de filosofia metafísica e de religião. — Para nós,
no entanto, a própria existência da zona temperada da cultura conta
como progresso.
237. Renascimento e Reforma. — O Renascimento italiano
abrigava em si todas as forças positivas a que devemos a cultura
moderna: emancipação do pensamento, desprezo das autoridades,
triunfo da educação sobre a arrogância da linhagem, entusiasmo