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Humano-Demasiado-Humano

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ódio e da competição, "incitem-nos ao limite, um contra o outro,

povo contra povo, ao longo de séculos; então, como que de uma

centelha solta no ar pela terrível energia assim criada, talvez se

inflame subitamente a luz do gênio; e então a vontade, como corcel

enfurecido pela espora do cavaleiro, irrompe e salta para um outro

campo". — Quem tivesse consciência de como o gênio é

produzido, e quisesse também pôr em prática esse modo habitual

da natureza, teria de ser mau e inconsiderado como a natureza. Mas

talvez tenhamos ouvido mal.

234. Valor da metade do caminho . — Talvez a produção do

gênio esteja reservada apenas a um certo período da humanidade.

Pois não podemos esperar, do futuro da humanidade, tudo o que

condições bem definidas de alguma época passada puderam

produzir sozinhas; não podemos esperar, por exemplo, os

espantosos efeitos do sentimento religioso. Mesmo este já teve o

seu tempo, e muita coisa boa não mais poderá surgir, pois só podia

fazê-lo a partir dele. De modo que jamais haverá novamente um

horizonte da vida e da cultura delimitado pela religião. Talvez o tipo

mesmo do santo seja possível apenas num certo acanhamento do

intelecto, algo que, parece, acabou para sempre. E assim o ápice da

inteligência talvez tenha sido guardado para uma única era da

humanidade: ele apareceu — aparece, pois ainda vivemos este

período — quando uma extraordinária, longamente acumulada

energia da vontade se transferiu excepcionalmente para fins

intelectuais, mediante a hereditariedade. Esse apogeu terá seu fim

quando esse furor e essa energia não mais forem cultivados. Talvez

no meio de seu caminho, na metade do tempo de sua existência,

mais do que no fim, a humanidade chegue mais perto de seu

verdadeiro objetivo. Forças como as que determinam a arte, por

exemplo, poderiam simplesmente se esgotar; o prazer na mentira,

na imprecisão, no simbólico, na embriaguez, no êxtase poderia cair

no desprezo. Sim, estando a vida organizada num Estado perfeito, o

presente já não forneceria motivo algum para a poesia, e somente

homens atrasados quereriam a irrealidade poética. Em todo caso,

eles olhariam saudosamente para trás, para os tempos do Estado

imperfeito, da sociedade semibárbara, para os nossos tempos.

235. O gênio e o Estado ideal em contradição. — Os

socialistas querem o bem-estar para o maior número possível de

pessoas. Se a pátria permanente desse bem-estar, o Estado perfeito,

fosse realmente alcançada, esse próprio bem-estar destruiria o

terreno em que brota o grande intelecto, e mesmo o indivíduo

poderoso: quero dizer, a grande energia. A humanidade se tornaria

fraca demais para produzir o gênio, se esse Estado fosse alcançado.

Não deveríamos desejar que a vida conserve seu caráter violento, e

que forças e energias selvagens sejam continuamente despertadas?

Mas o coração cálido e compassivo quer justamente a eliminação

desse caráter violento e selvagem, e o coração mais cálido que

podemos imaginar o desejaria da maneira mais apaixonada:

enquanto precisamente sua paixão tomou desse caráter selvagem e

violento da vida o seu próprio fogo, seu calor, sua existência

mesma; o coração mais cálido quer, portanto, a eliminação de seu

fundamento, a aniquilação de si mesmo, ou seja: ele quer algo

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