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Humano-Demasiado-Humano

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todas as coisas que não nos importunam são justificadas; terceiro:

todas as coisas que nos trazem vantagem são justificadas; quarto:

todas as coisas que nos custaram sacrifícios são justificadas. Esta

última explica, por exemplo, por que uma guerra que se iniciou

contra a vontade do povo é prosseguida com entusiasmo, tão logo

se tenham feito sacrifícios. — Os espíritos livres que sustentam

sua causa perante o fórum dos espíritos cativos têm que

demonstrar que sempre houve espíritos livres, ou seja, que o livrepensar

já tem duração; depois, que eles não querem importunar; e,

por fim, que em geral trazem vantagens para os espíritos cativos.

Mas, como não podem convencê-los deste último ponto, de nada

lhes vale ter demonstrado o primeiro e o segundo.

230. Esprit fort [espírito forte]. — Comparado àquele que tem

a tradição a seu lado e não precisa de razões para seus atos, o

espírito livre é sempre débil, sobretudo na ação; pois ele conhece

demasiados motivos e pontos de vista, e por isso tem a mão

insegura, não exercitada. Que meios existem para torná-lo

relativamente forte, de modo que ao menos se afirme e não pereça

inutilmente? Como se forma o espírito forte (esprit fort)? Este é,

num caso particular, o problema da produção do gênio. De onde

vem a energia, a força inflexível, a perseverança com que alguém,

opondo-se à tradição, procura um conhecimento inteiramente

individual do mundo?

231. A origem do gênio. — A engenhosidade com que o

prisioneiro busca meios para a sua libertação, utilizando fria e

pacientemente cada ínfima vantagem, pode mostrar de que

procedimento a natureza às vezes se serve para produzir o gênio —

palavra que, espero, será entendida sem nenhum ressaibo

mitológico ou religioso —: ela o prende num cárcere e estimula ao

máximo o seu desejo de se libertar. — Ou, para recorrer a outra

imagem: alguém que se perdeu completamente ao caminhar pela

floresta, mas que, com energia invulgar, se esforça por achar uma

saída, descobre às vezes um caminho que ninguém conhece: assim

se formam os gênios, dos quais se louva a originalidade. — Já foi

mencionado que uma mutilação, um aleijamento, a falta relevante de

um órgão, com freqüência dá ocasião a que outro órgão se

desenvolva anormalmente bem, porque tem de exercer sua própria

função e ainda uma outra. Com base nisso pode-se imaginar a

origem de muitos talentos brilhantes. — Dessas indicações gerais

quanto ao surgimento do gênio faça-se a aplicação ao caso

específico, o da gênese do consumado espírito livre.

232. Conjectura sobre a origem do livre-pensar. — Assim

como aumentam as geleiras, quando nas regiões equatoriais o sol

atinge os mares com mais ardor do que antes, também um livrepensar

muito forte e abrangente pode ser testemunho de que em

algum ponto o ardor do sentimento cresceu extraordinariamente.

233. A voz da história. — A história parece, em geral, dar o

seguinte ensinamento sobre a produção do gênio: "Maltratem e

atormentem os homens", assim grita ela às paixões da inveja, do

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