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227. Deduzindo razões e não-razões das conseqüências. —
Todos os Estados e ordens da sociedade: as classes, o matrimônio,
a educação, o direito, adquirem força e duração apenas da fé que
neles têm os espíritos cativos — ou seja, da ausência de razões,
pelo menos da recusa de inquirir por razões. Isso os espíritos
cativos não gostam de admitir e sentem que é um pudendum [algo
de que se envergonhar]. O cristianismo, que era muito ingênuo nas
concepções intelectuais,102 nada percebeu desse pudendum, exigiu
fé e nada mais que fé e rejeitou apaixonadamente a busca de razões;
apontou para o êxito da fé: vocês logo sentirão a vantagem da fé,
insinuou, graças a ela se tornarão bem-aventurados. O Estado
procede da mesma forma, na realidade, e todo pai educa o filho
também assim: apenas tome isso por verdade, diz ele, e sentirá o
bem que faz. Mas isso significa que a verdade de uma opinião seria
demonstrada pela utilidade pessoal que encerra; que a vantagem de
uma teoria garantiria sua certeza e seu fundamento intelectual. É
como se um réu falasse no tribunal: meu defensor diz a verdade,
pois vejam a conseqüência do seu discurso: serei absolvido. —
Como os espíritos cativos têm princípios por causa de sua
utilidade, presumem que o espírito livre busque também a própria
vantagem com suas opiniões, e só tome por verdadeiro o que lhe
convém. Mas, parecendo-lhe útil o oposto daquilo que é útil a seus
patrícios e seus pares, estes supõem que os seus princípios são
perigosos para eles; então dizem, ou sentem: ele não pode ter razão,
pois nos prejudica.
228. O caráter bom e forte. — A estreiteza de opiniões,
transformada em instinto pelo hábito, leva ao que chamamos de
força de caráter. Quando alguém age por poucos, mas sempre os
mesmos motivos, seus atos adquirem grande energia; se esses atos
harmonizarem com os princípios dos espíritos cativos, eles serão
reconhecidos e também produzirão, naquele que os perfaz, o
sentimento da boa consciência. Poucos motivos, ação enérgica e
boa consciência constituem o que se chama força de caráter. Ao
indivíduo de caráter forte falta o conhecimento das muitas
possibilidades e direções da ação; seu intelecto é estreito, cativo,
pois em certo caso talvez lhe mostre apenas duas possibilidades;
entre essas duas ele tem de escolher necessariamente, conforme
sua natureza, e o faz de maneira rápida e fácil, pois não tem
cinqüenta possibilidades para escolher. O ambiente em que é
educada tende a tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos
olhos um número mínimo de possibilidades. O indivíduo é tratado
por seus educadores como sendo algo novo, mas que deve se
tornar uma repetição. Se o homem aparece inicialmente como algo
desconhecido, que nunca existiu, deve ser transformado em algo
conhecido, já existente. O que se chama de bom caráter, numa
criança, é a evidência de seu vínculo ao já existente; pondo-se ao
lado dos espíritos cativos, a criança manifesta seu senso de
comunidade que desperta; é com base neste senso de comunidade
que ela depois se tornará útil a seu Estado ou classe.
229. Medida das coisas nos espíritos cativos. — Há quatro
espécies de coisas que, dizem os espíritos cativos, são justificadas.
Primeiro: todas as coisas que duram são justificadas; segundo: