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Humano-Demasiado-Humano

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Capítulo quinto

SINAIS DE CULTURA

SUPERIOR E INFERIOR

224. Enobrecimento pela degeneração. — A história ensina que

a estirpe que num povo se conserva melhor é aquela em que a

maioria dos homens tem um vivo senso da comunidade, em

conseqüência da identidade de seus princípios habituais e

indiscutíveis, ou seja, devido a sua crença comum. Ali se reforçam

os costumes bons e valorosos, ali se aprende a subordinação do

indivíduo, e a firmeza de caráter é primeiro dada e depois cultivada.

O perigo dessas comunidades fortes, baseadas em indivíduos

semelhantes e cheios de caráter, é o embotamento intensificado aos

poucos pela hereditariedade, que segue toda estabilidade como uma

sombra. Em tais comunidades, é dos indivíduos mais

independentes, mais inseguros e moralmente fracos que depende o

progresso espiritual: são aqueles que experimentam o novo e

sobretudo o diverso. Inúmeros seres desse tipo sucumbem à

própria fraqueza, sem produzir efeito visível, mas em geral,

sobretudo se têm descendência, afrouxam e de quando em quando

golpeiam o elemento estável de uma comunidade. Justamente nesse

ponto ferido e enfraquecido é como que inoculado algo novo no

organismo inteiro; mas a sua força tem de ser, no conjunto, grande

o suficiente para acolher no sangue esse algo novo e assimilá-lo. As

naturezas degenerativas97 são sempre de elevada importância,

quando deve ocorrer um progresso. Em geral, todo progresso tem

que ser precedido de um debilitamento parcial. As naturezas mais

fortes conservam o tipo, as mais fracas ajudam a desenvolvê-lo. —

Algo semelhante acontece no indivíduo; raramente uma

degeneração, uma mutilação ou mesmo um vício, em suma, uma

perda física ou moral, não tem por outro lado uma vantagem. O

homem doentio, por exemplo, numa estirpe guerreira e inquieta,

poderá ter mais ocasião de estar só e assim se tornar mais tranqüilo

e sábio, o caolho enxergará mais agudamente, o cego olhará para o

interior mais profundamente, e em todo caso ouvirá com mais

apuro. Neste sentido me parece que a famosa luta pela

sobrevivência não é o único ponto de vista a partir do qual se pode

explicar o progresso ou o fortalecimento de um homem, uma raça.

Para isso devem antes concorrer duas coisas: primeiro, o aumento

da força estável, pela união dos espíritos na crença e no sentimento

comunitário; depois a possibilidade de alcançar objetivos mais

elevados, por surgirem naturezas degenerativas e, devido a elas,

enfraquecimentos e lesões parciais da força estável; justamente a

natureza mais fraca, sendo a mais delicada e mais livre,98 torna

possível todo progresso. Um povo que em algum ponto se torna

quebrantado e enfraquecido, mas que no todo é ainda forte e

saudável, pode receber a infecção do novo e incorporá-la como

benefício. No caso do indivíduo, a tarefa da educação é a seguinte:

torná-lo tão firme e seguro que, como um todo, ele já não possa ser

desviado de sua rota. Mas então o educador deve causar-lhe

ferimentos, ou utilizar os que lhe produz o destino, e, quando a dor

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