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Humano-Demasiado-Humano

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tempo ainda? A maré transbordante de poesias de todos os estilos e

de todos os povos deverá, pouco a pouco, atingir as partes do

globo onde ainda seria possível um crescimento calmo e recolhido;

todos os poetas deverão se tornar imitadores experimentais,

copistas ousados, por maior que seja a sua força no início; e o

público, enfim, que desaprendeu de ver no sujeitamento da força de

expressão, no domínio e organização dos meios artísticos, o ato

propriamente artístico, deverá cada vez mais apreciar a energia pela

energia, e mesmo a cor pela cor, a idéia pela idéia, mesmo a

inspiração pela inspiração, e por conseguinte não desfrutará os

elementos e as condições da obra de arte senão isoladamente, e no

fim das contas fará a exigência natural de que o artista deve

também representá-los isoladamente. Sim, libertamo-nos das

cadeias "insensatas" da arte greco-francesa, mas inadvertidamente

nos habituamos a achar insensatas todas as cadeias, todas as

limitações; — e assim a arte se move rumo à dissolução, nisso

tocando — o que é altamente instrutivo, sem dúvida — todas as

fases de seus primórdios, de sua infância, de sua imperfeição, das

ousadias e extravagâncias de antanho: ela interpreta, ao sucumbir,

sua gênese e seu devir. Um dos grandes, em cujo instinto bem

podemos nos fiar e a cuja teoria nada faltou senão trinta anos mais

de prática, lorde Byron, disse uma vez: "No que diz respeito à

poesia em geral, quanto mais reflito, mais me convenço de que

todos nós estamos no caminho errado, sem exceção. Seguimos

todos um sistema revolucionário intimamente errado — a nossa

geração, ou a próxima, chegará à mesma convicção". E foi o

mesmo Byron quem disse: "Considero Shakespeare o pior modelo,

embora o mais extraordinário dos poetas". E no fundo não diz a

mesma coisa a percepção artística madura de Goethe, na segunda

metade de sua vida? — essa percepção com a qual conquistou

tamanha dianteira sobre várias gerações, de modo que se pode

afirmar que Goethe ainda não exerceu sua influência e que seu

tempo ainda está por chegar? Justamente porque sua natureza o

manteve durante muito tempo na via da revolução poética,

justamente porque saboreou o mais radicalmente possível tudo

quanto, através dessa ruptura com a tradição, foi indiretamente

descoberto e como que desenterrado de sob as ruínas da arte, em

termos de achados, perspectivas, recursos, é que sua posterior

transformação e conversão tem tanto peso: significa que ele

experimentou o mais profundo anseio de recuperar a tradição da

arte, e dotar da antiga perfeição e inteireza os escombros e arcadas

remanescentes dos templos, com a fantasia do olhar, pelo menos,

quando a força do braço revelar-se pequena demais para construir,

onde a destruição já requereu esforços imensos. Assim viveu ele na

arte, como na recordação da verdadeira arte: seu poetar tornou-se

um meio de recordar, de compreender épocas artísticas antigas, há

muito passadas. Suas pretensões eram sem dúvida irrealizáveis,

tendo em vista a força da idade moderna; mas a dor que sentiu por

isso foi largamente compensada pela alegria de saber que elas

foram realizadas um dia, e que também nós ainda podemos

participar dessa realização. Nada de indivíduos, mas sim máscaras

mais ou menos ideais; nada de realidade, mas sim uma generalidade

alegórica; cores locais, caracteres históricos atenuados até ficarem

quase invisíveis e tornados míticos; a sensibilidade atual e os

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