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ou como as figuras de Górgias na eloqüência grega. Restringir-se
desse modo pode parecer absurdo; mas não há outro meio de
escapar ao naturalismo, senão limitando-se, no início, o mais
severamente (talvez o mais arbitrariamente) possível. Assim se
aprende aos poucos a caminhar com graça, mesmo nas estreitas
pontes que ligam abismos vertiginosos, e se retorna com o lucro da
mais alta flexibilidade do movimento: como a história da música
tem demonstrado a todos os que vivem. Aí se vê como
gradualmente as cadeias se tornam mais frouxas, até parecerem
abandonadas: tal aparência é o resultado maior de uma evolução
necessária da arte. Na moderna arte poética não houve essa
afortunada liberação gradual das cadeias impostas a si mesma.
Lessing fez da forma francesa, isto é, a única forma artística
moderna, objeto de escárnio na Alemanha, e indicou Shakespeare;
assim perdemos a continuidade dessa liberação e demos um salto
para o naturalismo — ou seja, de volta ao começo da arte. Goethe
procurou salvar-se dele, limitando-se renovadamente de várias
maneiras; mas mesmo o mais talentoso artista consegue apenas um
experimentar contínuo, se estiver rompido o fio da evolução.
Schiller deve a relativa segurança de sua forma ao modelo da
tragédia francesa, que involuntariamente respeitou, ainda que
negasse, e se manteve independente de Lessing (cujas tentativas
dramáticas ele rejeitou, como se sabe). Aos próprios franceses
faltaram, depois de Voltaire, os grandes talentos que teriam
prosseguido com a evolução da tragédia, da coerção à aparência de
liberdade; mais tarde, conforme o exemplo alemão, também deram
um salto para uma espécie de estado natural da arte, à maneira de
Rousseau, e fizeram experiências. Leia-se de quando em quando o
Maomé de Voltaire, para imaginar com clareza o que, devido a essa
ruptura da tradição, se perdeu em definitivo para a cultura européia.
Voltaire foi o último dos grandes dramaturgos, o último a sujeitar
com moderação grega sua alma multiforme, que estava à altura
também das maiores tempestades trágicas — ele foi capaz daquilo
de que nenhum alemão foi capaz, porque a natureza dos franceses
é muito mais aparentada à dos gregos que a natureza dos alemães
—; assim como foi o último grande escritor que no tratamento da
prosa oratória teve ouvido grego, consciência artística grega e
simplicidade e graça gregas; e foi também um dos últimos homens
a reunir em si a suprema liberdade do espírito e uma mentalidade
decididamente não revolucionária, sem ser covarde ou
inconseqüente. Desde então o espírito moderno, com sua
inquietude, com seu ódio à medida e ao limite, passou a dominar
em todos os campos, primeiro desencadeado pela febre da
revolução e depois novamente impondo-se rédeas, quando assaltado
por medo e horror de si mesmo — mas as rédeas da lógica, não
mais da medida artística. É certo que devido a essa liberação
desfrutamos por algum tempo a poesia de todos os povos, tudo o
que cresceu em lugares recônditos, o primitivo, o selvagem, o beloestranho
e o gigantesco-irregular, desde o canto popular até o
"grande bárbaro" Shakespeare; saboreamos as alegrias da cor local
e do costume da época, até então desconhecidas de todos os povos
artísticos; aproveitamos sobejamente as "vantagens bárbaras" de
nosso tempo, que Goethe fez valer contra Schiller, para pôr em luz
favorável a ausência de forma de seu Fausto. Mas por quanto