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ancestral com a poesia pôs tanto simbolismo no movimento
rítmico, na intensidade ou fraqueza do tom, que hoje imaginamos
que ela fale diretamente ao nosso íntimo e que dele parta. A música
dramática é possível apenas quando a arte sonora conquistou um
imenso domínio de meios simbólicos, com o lied, a ópera e
centenas de tentativas de pintura tonal. A "música absoluta" é, ou
forma em si, no estado cru da música, em que o ressoar medido e
variamente acentuado já causa prazer, ou o simbolismo das formas,
que sem poesia já fala à compreensão, depois que as duas artes
estiveram unidas numa longa evolução, e por fim a forma musical
se entreteceu totalmente com fios de conceitos e sentimentos. Os
homens que permaneceram atrasados no desenvolvimento da
música podem sentir de maneira puramente formal a peça que os
avançados entendem de modo inteiramente simbólico. Em si,
música alguma é profunda ou significativa, ela não fala da
"vontade" ou da "coisa em si"; isso o intelecto só pôde imaginar
numa época que havia conquistado toda a esfera da vida interior
para o simbolismo musical. Foi o próprio intelecto que introduziu
tal significação no som: assim como pôs nas relações de linhas e
massas da arquitetura um significado que é, em si, completamente
estranho às leis mecânicas.
216. Gesto e linguagem. — Mais antiga que a linguagem é a
imitação dos gestos, que acontece involuntariamente e que ainda
hoje, com toda a supressão da linguagem gestual e a educação para
controlar os músculos, é tão forte que não podemos ver um rosto
que se altera sem que haja excitação do nosso próprio rosto
(podemos observar que um bocejo simulado provoca, em quem o
vê, um bocejo natural). O gesto imitado reconduzia o imitador ao
sentimento que expressava no rosto ou no corpo do imitado. Assim
aprendemos a nos compreender; assim a criança aprende a
compreender a mãe. Em geral, sensações dolorosas eram
provavelmente expressas também por gestos que causavam dor
(por exemplo, arrancar os cabelos, bater no peito, distorcer e
retesar violentamente os músculos do rosto). Inversamente, gestos
de prazer eram eles próprios prazerosos, e com isso se prestavam a
comunicar o entendimento (o riso como expressão da cócega, que
é prazerosa, serviu também para exprimir outras sensações
prazerosas). — Tão logo as pessoas se entenderam pelos gestos,
pôde nascer um simbolismo dos gestos: isto é, pudemos nos pôr de
acordo acerca de uma linguagem de signos sonoros, de modo a
produzir primeiro som e gesto (ao qual o primeiro se juntava
simbolicamente) e mais tarde só o som. — Nos primeiros tempos
deve ter ocorrido freqüentemente o que agora sucede ante nossos
olhos e ouvidos no desenvolvimento da música, notadamente a
música dramática: enquanto num primeiro momento, sem dança e
mímica (linguagem de gestos) explicativas, música é ruído vazio,
graças a uma longa habituação a essa convivência de música e
movimento o ouvido é educado para interpretar imediatamente as
figuras sonoras, e por fim chega a um nível de rápida
compreensão, em que já não tem necessidade do movimento visível
e sem o qual entende o compositor. Fala-se então de música
absoluta, isto é, de música em que tudo é logo compreendido
simbolicamente, sem qualquer ajuda.