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203. Uma preparação para a arte que desapareceu. — De tudo
o que se fazia no ginásio,88 o mais valioso era a prática do estilo
latino: pois ela era um exercício de arte, enquanto as demais
ocupações tinham apenas o saber por objetivo. Dar primazia à
composição alemã é barbarismo, pois não temos estilo alemão
exemplar, que se tenha nutrido da eloqüência pública; mas, se
quisermos promover o exercício do pensamento através da
composição alemã, será sem dúvida melhor ignorar
momentaneamente o estilo, ou seja, distinguir entre o exercício do
pensamento e o da exposição. Este último deveria se aplicar às
várias formulações de um dado conteúdo, e não à invenção
independente de um conteúdo. A simples exposição de um dado
conteúdo era a tarefa do estilo latino, para o qual os velhos mestres
possuíam uma finura de ouvido que há muito se perdeu. Quem
antes aprendia a escrever bem numa língua moderna, devia tal
habilidade a esse exercício (hoje temos que obrigatoriamente
freqüentar os antigos franceses); mais ainda: esse alguém obtinha
noção da majestade e dificuldade da forma, e preparava-se para a
arte pela única via correta — a prática.
204. O escuro e o muito claro bem próximos. — Escritores que
em geral não sabem dar clareza a suas idéias preferirão, em casos
particulares, os termos e superlativos mais fortes, mais exagerados:
o que produz um efeito semelhante à luz de archotes em
emaranhados caminhos da floresta.
205. Pintura literária. — Um objeto significativo será
representado melhor quando se toma as cores para o quadro do
próprio objeto, como um químico, usando-as depois como um
artista: de modo que o desenho resulte das fronteiras e gradações
das cores. Assim a pintura adquire algo do elemento natural
arrebatador, que torna significativo o próprio objeto.
206. Livros que ensinam a dançar. — Há escritores que, por
apresentarem o impossível como possível e falarem do moral e do
genial como se ambos fossem apenas um capricho, um gosto,
provocam um sentimento de liberdade exuberante, como se o
homem se colocasse na ponta dos pés e tivesse absolutamente que
dançar por prazer interior.
207. Pensamentos inacabados. — Assim como não apenas a
idade adulta, mas também a juventude e a infância têm valor em si,
não devendo ser estimadas tão-só como pontes e passagens, do
mesmo modo têm seu valor os pensamentos inacabados. Por isso
não devemos atormentar um poeta com uma sutil exegese, mas
alegrarmo-nos com a incerteza de seu horizonte, como se o
caminho para vários pensamentos ainda estivesse aberto. Estamos
no limiar; esperamos, como a desenterrar um tesouro: como se
estivesse para ocorrer um profundo achado. O poeta antecipa algo
do prazer do pensador, quando este encontra um pensamento
capital, e assim nos faz tão ávidos que procuramos apanhá-lo; mas
ele passa volteando por nossa cabeça, mostrando suas belíssimas
asas de borboleta — e contudo nos escapa.