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Humano-Demasiado-Humano

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194. Os bufões da cultura moderna. — Os bufões das cortes

medievais correspondem aos nossos folhetinistas; é o mesmo tipo

de homens, semi-racionais, espirituosos, exagerados, tolos, às

vezes presentes tão-só para amenizar o pathos de um estado de

espírito através de repentes85 e de tagarelice, e para abafar com seu

alarido o toque de sino pesado e solene dos grandes eventos;

outrora a serviço de príncipes e nobres, agora a serviço dos

partidos (tanto que no espírito e na disciplina do partido sobrevive

hoje uma boa parte da antiga submissão do povo no relacionamento

com o príncipe). Mas toda a classe dos literatos modernos está

muito próxima dos folhetinistas, são os "bufões da cultura

moderna", que julgamos mais suavemente, ao não tomá-los como

inteiramente responsáveis. Tomar a atividade de escrever como

uma profissão da vida inteira deveria razoavelmente ser considerado

uma espécie de loucura.

195. Tal como os gregos. — Nos dias de hoje é um grande

obstáculo para o conhecimento o fato de, graças a uma

exacerbação do sentimento que já dura um século, as palavras

terem se tornado vaporosas e infladas. O grau superior da cultura,

que se coloca sob o domínio (se não sob a tirania) do

conhecimento, tem necessidade de uma grande sobriedade do

sentimento e forte concentração das palavras; nisso os gregos da

época de Demóstenes nos precederam. O exagero caracteriza os

textos modernos; e mesmo quando são escritos de maneira

simples, as palavras que contêm são sentidas muito

excentricamente. Reflexão severa, concisão, frieza, simplicidade

deliberadamente levada ao extremo; em suma, restrição do

sentimento e laconismo — só isso pode ajudar. — Aliás, esse modo

frio de escrever e sentir é agora, por contraste, muito sedutor: e aí

está um novo perigo, certamente. Pois o frio agudo é um

estimulante tão bom quanto o calor elevado.

196. Bons narradores, maus explicadores. — Nos bons

narradores há freqüentemente uma segurança e coerência

psicológica admirável, na medida em que ela se mostra nos atos de

seus personagens, num contraste francamente ridículo com a

ineptidão do seu pensamento psicológico: de modo que sua cultura

parece, num dado instante, excelente e elevada, e lamentavelmente

baixa no instante seguinte. Acontece com muita freqüência que eles

expliquem seus heróis e as ações destes de maneira visivelmente

errada — quanto a isso não há dúvida, embora pareça improvável.

Talvez o maior dos pianistas tenha refletido pouco sobre as

condições técnicas e a especial virtude, falha, utilidade e

educabilidade de cada dedo (ética dactílica), cometendo erros

grosseiros ao falar dessas coisas.

197. Os escritos de nossos conhecidos e seus leitores. — Lemos

de maneira dupla o que escrevem os conhecidos (amigos e

inimigos), na medida em que nosso conhecimento nos sussurra

permanentemente: "Isso é dele, é uma marca de sua natureza

interior, de suas vivências, de seu talento", enquanto uma outra

espécie de conhecimento busca verificar que proveito tem essa

obra, que estima ela merece independentemente do autor, que

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