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Humano-Demasiado-Humano

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suportar o engrandecimento; de maneira que os biógrafos sempre

conseguirão mais facilmente apresentar como pequeno um grande

homem do que um pequeno como grande.

175. A sensualidade na arte contemporânea. — Hoje em dia os

artistas freqüentemente se enganam, quando se esforçam por obter

um efeito sensual com suas obras; porque seus espectadores ou

ouvintes já não têm os sentidos plenos, e a obra, totalmente contra

a intenção do artista, leva-os a uma "santidade" da percepção que é

parenta próxima do tédio. — Sua sensualidade talvez comece onde

a do artista acaba; elas se encontrariam num ponto, quando muito.

176. Shakespeare como moralista. — Shakespeare refletiu

muito sobre as paixões e, provavelmente por seu temperamento,

teve acesso íntimo a muitas delas (os dramaturgos são, em geral,

pessoas um tanto más). Porém não conseguiu, como Montaigne,

falar a respeito delas, e colocou suas observações sobre as paixões

na boca de figuras apaixonadas: o que sem dúvida é contrário à

natureza, mas torna seus dramas tão ricos de pensamentos, que

eles fazem os demais parecerem vazios e facilmente despertam

aversão geral a eles. — As sentenças de Schiller (quase sempre

baseadas em idéias falsas ou insignificantes) são sentenças para o

teatro, e como tais causam grande efeito: enquanto as sentenças de

Shakespeare fazem honra ao seu modelo Montaigne, e contêm sob

forma polida pensamentos muito sérios, mas por isso demasiado

remotos e sutis para os olhos do público teatral, e portanto

ineficazes.

177. Fazer-se ouvir bem. — Devemos não apenas saber tocar

bem, mas igualmente fazer com que nos ouçam bem. O violino, nas

mãos do maior dos mestres, emite apenas um chiado, quando a sala

é grande demais; pode-se então confundir o mestre com um

arranhador qualquer.

178. A eficácia do incompleto. — Assim como as figuras em

relevo fazem muito efeito sobre a imaginação por estarem como

que a ponto de sair da parede e subitamente se deterem, inibidas

por algo: assim também a apresentação incompleta, como um

relevo, de um pensamento, de toda uma filosofia, é às vezes mais

eficaz que a apresentação exaustiva: deixa-se mais a fazer para

quem observa, ele é incitado a continuar elaborando o que lhe

aparece tão fortemente lavrado em luz e sombra, a pensá-lo até o

fim e superar ele mesmo o obstáculo que até então impedia o

desprendimento completo.

179. Contra os originais. — Quando a arte se veste do tecido

mais gasto é que melhor a reconhecemos como arte.

180. Espírito coletivo. — Um bom escritor não tem apenas o

seu próprio espírito, mas também o espírito de seus amigos.

181. Duas espécies de desconhecimento. — O infortúnio dos

escritores agudos e claros é que os consideramos rasos, e por isso

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