21.02.2021 Views

Humano-Demasiado-Humano

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

seu gênio. Esta ambição exigia, antes de tudo, que sua obra

mantivesse a excelência máxima aos seus próprios olhos, tal como

eles compreendiam a excelência, sem consideração por um gosto

reinante e pela opinião geral sobre o que é excelente numa obra de

arte; e assim Ésquilo e Eurípides permaneceram muito tempo sem

sucesso, até que, enfim, educaram-se juízes de arte que avaliaram

suas obras conforme critérios por eles mesmos estabelecidos.

Desse modo procuram a vitória sobre os rivais segundo sua própria

avaliação, ante o seu próprio tribunal, querem de fato ser mais

excelentes; depois exigem a concordância externa à sua avaliação, a

confirmação do seu julgamento. Lutar pela glória81 significa "fazerse

superior e desejar que isso também apareça publicamente". Se

falta a primeira coisa, e a segunda é mesmo assim desejada, fala-se

de vaidade. Quando falta a segunda, e esta ausência não é sentida,

fala-se de orgulho.

171. O necessário na obra de arte. — Aqueles que tanto falam

do necessário numa obra de arte exageram, se são artistas, in

majorem artis gloriam [para maior glória da arte], ou, se são leigos,

por ignorância. As formas de uma obra de arte, que exprimem suas

idéias, que são sua maneira de falar, têm sempre algo de

facultativo,82 como toda espécie de linguagem. O escultor pode

acrescentar ou omitir muitos pequenos traços: assim também o

intérprete, seja ele um ator ou, em música, um virtuose ou maestro.

Esses muitos pequenos traços e retoques lhe satisfazem num

momento, e no outro, não; estão ali mais pelo artista do que pela

arte, pois também ele precisa, no rigor e na autodisciplina

requeridos pela apresentação da idéia básica, de doces e brinquedos

para não se aborrecer.

172. Fazendo esquecer o mestre. — O pianista que executa a

obra de um mestre terá tocado da melhor maneira possível se fizer

esquecer o mestre e se der a impressão de que conta uma história

sua ou de que justamente então vivencia algo. Claro que, se ele não

tiver importância, todo o mundo amaldiçoará a loquacidade com

que nos fala de sua vida. Ele tem de saber conquistar a imaginação

do ouvinte, portanto. Assim se explicam todas as fraquezas e folias

do "virtuosismo".

173. Corriger la fortune. — Há acasos ruins na vida dos

grandes artistas, que obrigam um pintor, por exemplo, a apenas

esboçar como uma idéia ligeira o seu quadro mais importante, ou

que obrigaram Beethoven a nos deixar em algumas grandes sonatas

(como a em Si maior)83 apenas a insuficiente versão para piano de

uma sinfonia. Nisso o artista que vem depois deve procurar corrigir

a vida dos grandes homens: o que faria, por exemplo, aquele que,

sendo um mestre dos efeitos orquestrais, despertasse para a vida

esta sinfonia que se acha em morte aparente no piano.

174. Diminuição. — Há coisas, acontecimentos e pessoas que

não suportam ser tratados em pequena escala. Não se pode reduzir

o grupo de Laocoonte84 às dimensões de um bibelô; a grandeza lhe

é necessária. Muito mais raro, porém, é algo pequeno por natureza

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!