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bem comovido, para poder derramar boas lágrimas; já o artista, ao
ver uma nova tragédia, tem prazer nas invenções técnicas e
artifícios engenhosos, no manejo e distribuição da matéria, no novo
emprego de velhos motivos, velhas idéias. Sua atitude é a atitude
estética frente à obra de arte, a daquele que cria; a primeira
descrita, que considera apenas o conteúdo,80 é a do povo. Do
homem que está no meio não há o que dizer, ele não é povo nem
artista e não sabe o que quer: também o seu prazer é confuso e
pequeno.
167. Educação artística do público. — Quando o mesmo
motivo não é tratado de cem maneiras distintas por mestres
diversos, o público não aprende a ultrapassar o interesse pelo
conteúdo; mas por fim ele mesmo capta e desfruta as nuances, as
novas e delicadas invenções no tratamento desse motivo, ou seja,
quando há muito conhece o motivo, através de numerosas
elaborações, e não mais experimenta o fascínio da novidade, da
curiosidade.
168. O artista e seu séquito devem manter o passo. — O
avanço de um nível de estilo a outro deve ser lento o bastante para
que não só os artistas, mas também os ouvintes e espectadores
façam o mesmo avanço e saibam exatamente o que sucede. Caso
contrário, surge aquele enorme abismo entre o artista que cria suas
obras numa altura distante e o público que já não alcança aquela
altura e por fim, desalentado, desce ainda mais. Pois quando o
artista não mais eleva o seu público, este decai rapidamente, e de
maneira tanto mais profunda e perigosa quanto mais alto o tiver
conduzido um gênio, semelhante à águia de cujas garras a
tartaruga, levada até as nuvens, tem a desgraça de cair.
169. Origem do cômico. — Quando se considera que por
centenas de milhares de anos o homem foi um animal
extremamente sujeito ao temor, e que qualquer coisa repentina ou
inesperada o fazia preparar-se para a luta, e talvez para a morte, e
que mesmo depois, nas relações sociais, toda a segurança
repousava sobre o esperado, sobre o tradicional no pensar e no
agir, então não deve nos surpreender que, diante de tudo o que seja
repentino e inesperado em palavras e ação, quando sobrevém sem
perigo ou dano, o homem se desafogue e passe ao oposto do
temor: o ser encolhido e trêmulo de medo se ergue e se expande —
o homem ri. A isso, a essa passagem da angústia momentânea à
alegria efêmera, chamamos de cômico. No fenômeno do trágico,
por outro lado, o homem passa rapidamente de uma grande e
duradoura alegria para um grande medo; mas, como entre os
mortais essa grande e duradoura alegria é muito mais rara que as
ocasiões de angústia, há no mundo muito mais comicidade do que
tragédia; rimos com muito mais freqüência do que ficamos
abalados.
170. Ambição de artista. — Os artistas gregos, os trágicos,
por exemplo, criavam para vencer; toda a sua arte é impensável
sem a competição: a boa Éris de Hesíodo, a Ambição, dava asas ao