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espírito, durante o desenvolvimento, a melhor escola e disciplina.
Por outro lado, é no mínimo questionável que a superstição relativa
ao gênio, a suas prerrogativas e poderes especiais, seja proveitosa
para o próprio gênio, quando nele se enraíza. Em todo caso, é um
indício perigoso que o temor de si mesmo assalte o homem, seja o
célebre temor dos césares ou o temor do gênio que aqui
consideramos; que o aroma do sacrifício, justamente oferecido
apenas a um deus, penetre o cérebro do gênio e ele comece a
hesitar e se ver como sobre-humano. As conseqüências a longo
prazo são: o sentimento de irresponsabilidade, de direitos
excepcionais, a crença de estar nos agraciando com seu trato, uma
raiva insana frente à tentativa de compará-lo a outros, ou de estimálo
inferior e trazer à luz as falhas de sua obra. Como deixa de
criticar a si mesmo, caem uma após outra as rêmiges de sua
plumagem: tal superstição mina as raízes de sua força e talvez o
torne mesmo um hipócrita, quando sua força o tiver abandonado.
Portanto, para os grandes espíritos é provavelmente mais útil que
eles se dêem conta de sua força e da origem desta, que apreendam
as qualidades puramente humanas que neles confluíram, as felizes
circunstâncias que ali se juntaram: energia incessante, dedicação
resoluta a certos fins, grande coragem pessoal; e também a fortuna
de uma educação que logo ofereceu os melhores mestres, modelos
e métodos. É claro que, se têm por objetivo provocar o maior
efeito possível, a falta de clareza sobre si mesmos e aquela
semiloucura extra sempre ajudaram muito; pois em todos os
tempos o que se admirou e se invejou neles foi justamente a força
mediante a qual anulam a vontade dos homens e os arrastam à
ilusão de que à sua frente estão líderes sobrenaturais. Sim, acreditar
que alguém possui poderes sobrenaturais é algo que eleva e
entusiasma os homens: neste sentido a loucura, como diz Platão,
trouxe as maiores bênçãos para os homens. — Em alguns casos
raros, essa porção de loucura pode também ter sido o meio pelo
qual se conservou inteira uma natureza excessiva em todos os
aspectos: também na vida dos indivíduos as alucinações têm com
freqüência o valor de remédios que em si são venenos; mas em
todo "gênio" que acredita na própria divindade o veneno se mostra
afinal, à medida que o "gênio" envelhece: recordemos Napoleão, por
exemplo, cujo ser cresceu e se tornou a unidade poderosa que o
distingue entre os homens modernos, sem dúvida graças à fé em si
mesmo e em sua estrela e ao desprezo pelos homens dela
decorrente, até que enfim essa mesma fé se transformou num
fatalismo quase louco, despojando-o da rapidez e agudeza de visão
e vindo a ser causa de sua ruína.
165. O gênio e o nada. — São justamente os cérebros originais
entre os artistas, os que criam a partir de si mesmos, que em certas
circunstâncias podem produzir o totalmente vazio e insípido,
enquanto as naturezas mais dependentes, os assim chamados
talentos, estão cheias de lembranças de todas as coisas boas
possíveis, e mesmo em estado de fraqueza produzem algo tolerável.
Se os originais abandonam a si mesmos, porém, a memória não
lhes dá nenhuma ajuda: eles se tornam vazios.
166. O público. — Tudo o que o povo exige da tragédia é ficar