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Humano-Demasiado-Humano

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159. A arte sendo perigosa para o artista. — Quando a arte

arrebata fortemente um indivíduo, leva-o de volta a concepções de

épocas em que a arte florescia do modo mais vigoroso, e tem então

uma influência regressiva. Cada vez mais o artista venera emoções

repentinas, acredita em deuses e demônios, põe alma na natureza,

odeia a ciência, adquire um ânimo instável como os indivíduos da

Antigüidade e requer uma subversão de todas as relações que não

sejam favoráveis à arte, e isso com a veemência e insensatez de

uma criança. Ora, em si o artista já é um ser retardado,73 pois

permanece no jogo que é próprio da juventude e da infância: a isto

se junta o fato de ele aos poucos ser "regredido" a outros tempos.74

Desse modo acontece, afinal, um violento antagonismo entre ele e

os homens de mesma idade do seu tempo, e um triste fim; assim,

segundo os relatos dos antigos, Homero e Ésquilo acabaram

vivendo e morrendo na melancolia.

160. Pessoas criadas. — Quando se diz que o dramaturgo (e o

artista em geral) cria realmente caracteres, trata-se de um belo

engano e exagero, cuja existência e propagação é um dos triunfos

não intencionais e como que supérfluos da arte. Na verdade,

compreendemos pouco de um homem real e vivo, e generalizamos

muito superficialmente, ao lhe atribuir este ou aquele caráter; e o

poeta corresponde a esta nossa atitude muito imperfeita para com o

homem, na medida em que faz (e neste sentido "cria") esboços de

gente tão superficiais quanto o nosso conhecimento das pessoas.

Há muita prestidigitação nesses caracteres criados pelos artistas;

não são absolutamente produtos da natureza encarnados, mas tal

como homens pintados são algo tênues, não resistem a um exame

próximo. Mesmo quando se diz que o caráter do homem vivo

comum se contradiz freqüentemente, e que o criado pelo

dramaturgo seria o protótipo que a natureza imaginou,75 isso é

inteiramente errado. Um homem real é algo necessário de ponta a

ponta (mesmo nas chamadas contradições), mas nem sempre

reconhecemos tal necessidade. O homem inventado, o fantasma,

pretende significar algo necessário, mas somente para aqueles que

compreendem um homem apenas numa simplificação crua e pouco

natural: de modo que alguns traços fortes e freqüentemente

repetidos, tendo muita luz em cima e muita sombra e penumbra ao

redor, satisfazem totalmente suas exigências. Essas pessoas se

dispõem a tratar o fantasma como homem real e necessário, porque

estão acostumadas a, no homem real, tomar um fantasma, uma

silhueta, uma abreviação arbitrária pelo todo. — Que o pintor e o

escultor exprimam a "idéia" do homem é vã fantasia e ilusão dos

sentidos: somos tiranizados pelos olhos, ao dizer algo assim, pois

eles vêem do corpo humano apenas a superfície, a pele; mas o

corpo interior faz igualmente parte da idéia. As artes plásticas

querem tornar visíveis os caracteres na pele; as artes da linguagem

tomam a palavra com o mesmo objetivo, retratam o caráter em

som articulado. A arte procede da natural ignorância do homem

sobre o seu interior (corpo e caráter): ela não existe para físicos ou

filósofos.

161. Superestimação de si mesmo na crença em artistas e

filósofos. — Todos nós achamos que a boa qualidade de uma obra

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