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grandes trabalhadores, incansáveis não apenas no inventar, mas
também no rejeitar, eleger, remodelar e ordenar.
156. Ainda a inspiração. — Quando a energia produtiva foi
represada durante um certo tempo e impedida de fluir por algum
obstáculo, ocorre enfim uma súbita efusão, como se houvesse uma
inspiração imediata sem trabalho interior precedente, ou seja, um
milagre. Isso constitui a notória ilusão que todos os artistas, como
disse, têm interesse um pouco excessivo em manter. O capital
apenas se acumulou, não caiu do céu. Aliás, há uma inspiração
aparente desse tipo também em outros domínios, como, por
exemplo, no da bondade, da virtude, do vício.
157. Os sofrimentos do gênio71 e seu valor. — O gênio
artístico quer proporcionar alegria, mas, se estiver num nível muito
alto, provavelmente lhe faltarão os que a desfrutem; ele oferece
manjares, mas não há quem os queira. Isso lhe dá um pathos que
às vezes é ridículo e tocante; pois no fundo ele não tem o direito de
obrigar os homens ao prazer. Seu pífaro soa, mas ninguém quer
dançar: pode isto ser trágico? — Talvez. Enfim, para compensar
essa privação ele tem mais prazer em criar do que o restante dos
homens em todas as outras espécies de atividade. Seu sofrimento é
sentido como exagerado, porque o tom de seu lamento é mais
forte, e sua boca, mais eloqüente; em algumas ocasiões o seu
sofrimento é de fato muito grande, mas apenas porque é grande sua
ambição, sua inveja. O gênio do saber, como Kepler e Spinoza, em
geral não é tão ávido, e não faz tamanho caso de seus sofrimentos
e privações, na realidade maiores. Ele pode mais seguramente
contar com a posteridade e se despojar do presente; enquanto um
artista que faz o mesmo está jogando um jogo desesperado, em que
o seu coração padecerá. Em casos muito raros — quando no
mesmo indivíduo se fundem o gênio de criar e de conhecer e o
gênio moral — junta-se às dores mencionadas a espécie de dores
que devemos considerar as mais extravagantes exceções do mundo:
os sentimentos extra- e suprapessoais, dirigidos a um povo, à
humanidade, a toda a civilização, à inteira existência sofredora: os
quais adquirem seu valor graças à ligação com conhecimentos
particularmente difíceis e abstrusos (a compaixão em si tem pouco
valor). — Mas que critério, que pedra de toque existe para verificar
sua autenticidade? Não seria quase imperioso desconfiar de todos
os que dizem ter sentimentos dessa natureza?
158. Fatalidade da grandeza. — Todo grande aparecimento72
é seguido pela degeneração, sobretudo no campo da arte. O
exemplo do grande homem estimula as naturezas mais vaidosas à
imitação exterior ou ao excesso; e os grandes talentos carregam em
si a fatalidade de esmagar muitas forças e germens mais fracos,
como que transformando em deserto a natureza à sua volta. O caso
mais feliz no desenvolvimento de uma arte é aquele em que vários
gênios se mantêm reciprocamente em certos limites; uma luta
assim permite que as naturezas mais fracas e delicadas também
recebam ar e luz.