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parentesco e tendência comum".65
143. O que dá ao santo valor histórico-universal não é aquilo
que ele é, mas o que significa aos olhos dos não-santos. Porque
nos enganamos a seu respeito, porque interpretamos erradamente
seus estados de alma e o separamos o máximo possível de nós,
como algo inteiramente incomparável, de natureza estranha e sobrehumana:
por isso é que ele alcançou a força extraordinária com que
pôde dominar a imaginação de povos e épocas inteiras. Ele mesmo
não se conhecia; ele mesmo entendia a escrita de suas disposições,
tendências e ações conforme uma arte de interpretações que era tão
exagerada e artificial quanto a interpretação pneumática da Bíblia. O
excêntrico e doentio de sua natureza, com sua junção de pobreza
espiritual, saber precário, saúde arruinada, nervos superexcitados,
permanecia oculto tanto a seu olhar como ao de seu espectador.
Não era um homem particularmente bom, menos ainda um homem
particularmente sábio: mas significava algo que ultrapassava a
medida humana em bondade e sabedoria. A crença nele sustentava
a crença no divino e miraculoso, num sentido religioso de toda a
existência, num iminente Juízo Final. No esplendor vespertino do
sol de fim de mundo que iluminava os povos cristãos, a sombra do
santo cresceu monstruosamente; e atingiu altura tal que mesmo em
nosso tempo, que não mais crê em Deus, ainda existem pensadores
que crêem nos santos.
144. Claro que a esse retrato do santo, esboçado segundo a
média de toda a espécie, pode-se contrapor vários outros retratos,
que despertariam sentimentos mais agradáveis. Há exceções que se
destacam na espécie, seja por uma imensa brandura e simpatia com
os homens, seja pelo encanto de uma energia incomum; outras são
atraentes em altíssimo grau, porque certos delírios lançam torrentes
de luz sobre todo o seu ser: é o caso do célebre fundador do
cristianismo, que acreditava ser o filho de Deus, e portanto isento
de pecado; de modo que através de uma ilusão — que não devemos
julgar duramente, pois em toda a Antigüidade pululam filhos de
Deus — ele alcançou o mesmo objetivo, o sentimento da completa
isenção de pecado, da plena irresponsabilidade, que hoje qualquer
homem pode adquirir através da ciência. — Igualmente não
considerei os santos hindus, que se acham num nível intermediário
entre o santo cristão e o filósofo grego, e portanto não representam
um tipo puro: o conhecimento, a ciência — na medida em que
existia —, a elevação acima dos demais homens pela disciplina e
educação lógica do pensamento, eram exigidos como sinal de
santidade entre os budistas, enquanto os mesmos atributos, no
mundo cristão, são rejeitados e denegridos como sinal de
impiedade.