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Humano-Demasiado-Humano

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faz sua própria imagem parecer terrivelmente feia. Esse despedaçar

de si mesmo, esse escárnio de sua própria natureza, esse spernere

si sperni [responder ao desprezo com o desprezo],62 a que as

religiões deram tamanha importância, é na verdade um grau

bastante elevado da vaidade. Toda a moral do Sermão da Montanha

está relacionada a isto: o homem tem autêntica volúpia em se

violentar por meio de exigências excessivas, e depois endeusar em

sua alma esse algo tirânico. Em toda moral ascética o homem

venera uma parte de si como Deus, e para isso necessita demonizar

a parte restante.

138. O homem não é igualmente moral em todas as horas, isso

é sabido: julgando sua moralidade segundo a capacidade de grandes

decisões de sacrifício e abnegação (que, tornando-se duradoura e

habitual, é santidade), então é no afeto que ele é mais moral; a

excitação forte lhe oferece motivos inteiramente novos, dos quais

ele, estando frio e sóbrio como de costume, talvez não acreditasse

ser capaz. Como ocorre isso? Provavelmente devido à vizinhança

de tudo o que é grande e que excita fortemente; levado a uma

tensão extraordinária, o homem pode se decidir tanto por uma

vingança terrível quanto por uma terrível refração63 de sua

necessidade de vingança. Sob a influência da emoção violenta, ele

quer de todo modo o que é grande, poderoso, monstruoso, e se por

acaso ele nota que o sacrifício de si mesmo o satisfaz tanto ou

ainda mais que o sacrifício do outro, escolhe aquele. O que

realmente lhe importa, portanto, é a descarga de sua emoção; para

aliviar sua tensão, pode juntar as lanças dos inimigos e enterrá-las

no próprio peito. Que haja grandeza na negação de si mesmo, e não

apenas na vingança, é algo que deve ter sido inculcado na

humanidade por um longo período; uma divindade que sacrifica a si

mesma foi o símbolo mais forte e mais eficaz dessa espécie de

grandeza. Como a vitória sobre o inimigo mais difícil de vencer, a

dominação repentina de um afeto — é assim que aparece essa

negação; e nisso é tida como o ápice da moral. O que sucede, na

verdade, é a substituição de uma idéia pela outra, enquanto o ânimo

mantém sua mesma altura, seu mesmo nível. Estando novamente

sóbrios, recuperados do afeto, os homens não mais compreendem

a moralidade daqueles momentos, mas a admiração de todos

aqueles que também os viveram os sustenta; o orgulho é seu

consolo, quando o afeto e a compreensão de seu ato se debilitam.

Ou seja: no fundo, tampouco são morais aqueles atos de

abnegação, na medida em que não são feitos estritamente pelos

outros; ocorre, isto sim, que o outro dá ao ânimo em alta tensão

apenas uma oportunidade de se aliviar através da abnegação.

139. Em muitos aspectos, também o asceta procura tornar leve

a sua vida, geralmente por meio da completa subordinação a uma

vontade alheia, ou a uma lei e um ritual abrangentes; mais ou menos

como um brâmane não deixa nada à sua própria determinação e a

cada minuto é guiado por um preceito sagrado. Esta subordinação é

um meio poderoso para se tornar senhor de si mesmo; o indivíduo

está ocupado, portanto não se entedia, e não experimenta qualquer

estímulo da vontade e da paixão; após a ação realizada, não há

sentimento de responsabilidade, nem a tortura do arrependimento.

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