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Humano-Demasiado-Humano

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cristianismo ensinar a total indignidade, pecaminosidade e abjeção

do homem, em voz tão alta que o desprezo ao semelhante já não é

possível. "Ele pode pecar quanto queira, contudo não se diferencia

essencialmente de mim: eu é que sou, em todos os graus, indigno e

abjeto", assim diz o cristão. Mas mesmo esse sentimento perdeu

seu aguilhão mais agudo, pois o cristão não crê em sua abjeção

individual: ele é mau por ser homem simplesmente, e se tranqüiliza

um pouco dizendo: "Somos todos da mesma espécie".

118. Mudança de pessoal. — Quando uma religião começa a

dominar, tem como adversários os que foram seus primeiros

adeptos.

119. Destino do cristianismo. — O cristianismo nasceu para

aliviar o coração; mas agora deve primeiro oprimi-lo, para mais

adiante poder aliviá-lo. Em conseqüência, perecerá.

120. A prova do prazer. — A opinião agradável é aceita como

verdadeira: esta é a prova do prazer (ou, como diz a Igreja, a prova

da força), da qual todas as religiões se orgulham, quando deveriam

dela se envergonhar. Se a fé não trouxesse felicidade, nela não se

acreditaria: portanto, quão pouco valor ela deve ter!

121. Jogo perigoso. — Hoje em dia, quem dentro de si dá

novamente lugar ao sentimento religioso deve também deixá-lo

crescer, não pode fazer de outro modo. Então o seu ser pouco a

pouco se transforma, favorece o que é dependente ou vizinho do

elemento religioso, todo o âmbito do julgar e sentir fica nublado,

atravessado por sombras religiosas. O sentimento não pode ficar

parado; portanto, tome-se cuidado.

122. Os discípulos cegos. — Enquanto alguém conhece muito

bem a força e a fraqueza de sua doutrina, de sua arte, de sua

religião, a força delas ainda é pequena. O discípulo e apóstolo que,

cegado pelo prestígio do mestre e pelo respeito a ele devido, não

enxerga a fraqueza da doutrina, da religião e assim por diante,

geralmente tem, graças a isso, mais poder do que o mestre. Sem os

discípulos cegos, a influência de um homem e de sua obra nunca

se tornou grande. Ajudar no triunfo de um conhecimento significa

muitas vezes apenas isto: irmaná-lo à estupidez de modo tal que o

peso desta consiga também a vitória daquele.

123. Demolição das igrejas. — No mundo não existe religião

bastante nem mesmo para destruir as religiões.

124. Ausência de pecado no homem. — Quando se

compreende como "o pecado chegou ao mundo", ou seja, através

de erros da razão, em virtude dos quais os homens entre si, e

mesmo o indivíduo, se consideram muito mais negros e maus do

que são de fato, então todo este sentimento é muito aliviado, e os

homens e o mundo aparecem por vezes numa aura de inocência, de

forma que o indivíduo se sente profundamente bem. Em meio à

natureza, o homem é sempre a criança. Esta criança tem às vezes

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