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coisas?
114. O elemento não grego do cristianismo. — Os gregos não
viam os deuses homéricos como senhores acima deles, nem a si
mesmos como servos abaixo dos deuses, como faziam os judeus.
Eles viam apenas o reflexo, por assim dizer, dos exemplares mais
bem-sucedidos de sua própria casta, um ideal, portanto, e não um
oposto de seu próprio ser. Sentiam-se aparentados uns aos outros,
havia um interesse mútuo, uma espécie de simaquia.55 O homem
faz uma idéia nobre de si, quando dá a si mesmo deuses assim, e se
coloca numa relação como aquela entre a baixa e a alta nobreza;
enquanto os povos itálicos têm uma verdadeira religião de
camponeses, com um medo permanente de poderosos malvados e
caprichosos. Onde os deuses olímpicos não estavam presentes, a
vida grega era também mais sombria e medrosa. — Já o
cristianismo esmagou e despedaçou o homem por completo, e o
mergulhou como num lodaçal profundo: então, nesse sentimento de
total abjeção, de repente fez brilhar o esplendor de uma misericórdia
divina, de modo que o homem surpreendido, aturdido pela graça,
soltou um grito de êxtase e por um momento acreditou carregar o
céu dentro de si. Sobre este excesso doentio do sentimento, sobre a
profunda corrupção de mente e coração que lhe é necessária, agem
todas as invenções56 psicológicas do cristianismo: ele quer negar,
despedaçar, aturdir, embriagar, e só uma coisa não quer: a medida;
por isso é, no sentido mais profundo, bárbaro, asiático, pouco
nobre e nada helênico.
115. Vantagem de ter religião . — Existem pessoas sóbrias e
eficientes, às quais a religião está pregada como uma orla de
humanidade superior: estas fazem muito bem em permanecer
religiosas, pois isso as embeleza. — Todos os homens que não
entendem de um ofício qualquer das armas — a boca e a pena
contam como armas — se tornam servis: para eles a religião cristã
é útil, pois nela o servilismo toma o aspecto de uma virtude cristã e
fica espantosamente embelezado. — Pessoas para quem a vida
cotidiana é muito vazia e monótona se tornam facilmente religiosas:
isto é compreensível e perdoável, mas elas não têm o direito de
exigir religiosidade daquelas para quem a vida não transcorre
cotidianamente vazia e monótona.
116. O cristão comum. — Se o cristianismo tivesse razão em
suas teses acerca de um Deus vingador, da pecaminosidade
universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna,
seria um indício de imbecilidade e falta de caráter não se tornar
padre, apóstolo ou eremita e trabalhar, com temor e tremor,
unicamente pela própria salvação; pois seria absurdo perder assim o
benefício eterno, em troca da comodidade temporal. Supondo que
s e creia realmente nessas coisas, o cristão comum é uma figura
deplorável, um ser que não sabe contar até três, e que, justamente
por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão
duramente quanto promete o cristianismo.
117. Da inteligência do cristianismo. — É artimanha do