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Humano-Demasiado-Humano

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que busca ansiosamente: não há como tornar essas potências

regulares mediante uma lei ou tradição, assim como você próprio é

regular? — As reflexões daqueles que acreditam em magia e

milagres levam a impor uma lei à natureza —: e, em poucas

palavras, o culto religioso é produto dessas reflexões. O problema

que esses homens se colocam é intimamente aparentado ao

seguinte: como pode a tribo mais fraca ditar leis para a mais forte,

decidir a respeito dela, dirigir suas ações (na relação com a mais

fraca)? Recordemos primeiro a espécie mais inócua de coação,

aquela que exercitamos ao conquistar a afeição de alguém. Logo,

por meio de súplicas e orações, por meio da submissão, do

compromisso de tributos e presentes regulares, de exaltações

lisonjeiras, é possível também exercer uma coação sobre os

poderes da natureza, na medida em que os tornamos afeiçoados a

nós: o amor vincula e é vinculado. Em seguida podemos fechar

acordos em que nos obrigamos mutuamente a determinada

conduta, estabelecemos penhores e trocamos juramentos. Muito

mais importante, porém, é uma espécie de coação mais violenta,

mediante a magia e a feitiçaria. Assim como o homem, com a ajuda

de um feiticeiro, pode prejudicar um inimigo mais forte e mantê-lo

amedrontado, assim como o feitiço do amor age à distância, assim

também o homem fraco acredita poder guiar até mesmo os

espíritos poderosos da natureza. O meio principal de toda magia é

termos em nosso poder algo que seja próprio de alguém: cabelos,

unhas, um pouco da comida de sua mesa e mesmo sua imagem,

seu nome. Com tal aparato se pode então praticar a magia, pois o

pressuposto fundamental é de que a todo ser espiritual pertence

algum elemento corporal; com o auxílio deste se pode vincular o

espírito, prejudicá-lo, destruí-lo; o elemento corporal fornece a alça

com que podemos apreender o espiritual. Do mesmo modo que um

homem influencia outro homem, também influencia qualquer

espírito da natureza; pois este também tem seu elemento corporal,

pelo qual pode ser apreendido. A árvore e, comparado a ela, o broto

do qual surgiu — essa enigmática coexistência parece provar que

nas duas formas se corporificou um único espírito, ora pequeno,

ora grande. Uma pedra que rola subitamente é o corpo em que age

um espírito; se numa charneca solitária se encontra uma rocha,

parece impossível imaginar uma força humana que a tenha trazido

até ali; então ela deve ter se movido por si própria, ou seja: deve

hospedar um espírito. Tudo o que possui um corpo é acessível ao

encantamento, também os espíritos da natureza. Se um deus está

vinculado à sua imagem, pode-se também exercer sobre ele uma

coação direta (ao lhe negar o alimento sacrificial, açoitá-lo,

acorrentá-lo e assim por diante). A fim de obter as graças de um

deus que as abandonou, as pessoas pobres, na China, amarram

com cordas a sua imagem, arrastam-na pelas ruas através de

montes de lama e estrume, e dizem: "Ó tu, cão de espírito, nós te

fizemos habitar um magnífico templo, te douramos

esplendidamente, te alimentamos bem, te oferecemos sacrifícios, e

contudo és tão ingrato". Semelhantes medidas de violência contra

imagens dos santos e da mãe de Deus, quando eles não quiseram

cumprir sua obrigação em casos de peste ou de seca, por exemplo,

ocorreram ainda neste século em países católicos. — Todas essas

relações mágicas com a natureza deram origem a inúmeras

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