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tempo ainda o horrendo martírio da honra ferida, diante de quem a
feriu; o que pode constituir mais sofrimento do que o que vale a
própria vida.
62. Regalando-se na vingança. — Homens grosseiros que se
sentem ofendidos costumam ver o grau da ofensa como o mais alto
possível, e relatam a sua causa em termos bastante exagerados,
apenas para poder se regalar no sentimento de ódio e vingança
despertado.
63. Valor da diminuição . — Não poucos, talvez a maioria dos
homens, têm necessidade de rebaixar e diminuir na sua imaginação
todos os homens que conhecem, para manter sua auto-estima e
uma certa competência no agir. E, como as naturezas mesquinhas
são em número superior, e é muito importante elas terem essa
competência...
64. O enfurecido. — Diante de um homem que se enfurece
conosco devemos tomar cuidado, como diante de alguém que já
tenha atentado contra a nossa vida; pois o fato de ainda vivermos
se deve à ausência do poder de matar; se os olhares bastassem, há
muito estaríamos liquidados. É traço de uma cultura grosseira fazer
calar alguém tornando visível a brutalidade, suscitando o medo. —
Do mesmo modo, o olhar frio que os nobres têm para seus criados
é resíduo daquela separação dos homens em castas, um traço de
antigüidade grosseira; as mulheres, essas conservadoras do antigo,
também conservaram mais fielmente essa survival [sobrevivência].
65. Aonde pode levar a franqueza. — Alguém tinha o mau
hábito de se expressar com total franqueza sobre os motivos pelos
quais agia, que eram tão bons ou ruins como os de todas as
pessoas. Primeiro causou estranheza, depois suspeita, foi então
afastado e proscrito, até que a justiça se lembrou de um ser tão
abjeto, em ocasião em que normalmente não tinha olhos ou os
fechava. A falta de discrição quanto ao segredo de todos e o
irresponsável pendor de ver o que ninguém quer ver — a si mesmo
— levaram-no à prisão e à morte prematura.
66. Punível, jamais punido. — Nosso crime em relação aos
criminosos consiste em tratá-los como patifes.
67. "Sancta simplicitas"37 da virtude. — Toda virtude tem
privilégios: por exemplo, o de levar seu próprio feixezinho de lenha
para a fogueira do condenado.
68. Moralidade e sucesso. — Não são apenas os espectadores
de um ato que com freqüência medem o que nele é moral ou imoral
conforme o seu êxito: não, o seu próprio autor faz isso. Pois os
motivos e intenções raramente são bastante claros e simples, e às
vezes a própria memória parece turvada pelo sucesso do ato, de
modo que a pessoa atribui ao próprio ato motivos falsos ou trata
motivos secundários como essenciais. É freqüente o sucesso dar a
um ato o brilho honesto da boa consciência, e o fracasso lançar a