21.02.2021 Views

Humano-Demasiado-Humano

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

passo do caminho desse homem"? — A inclinação por algo

(desejo, impulso, anseio) está presente em todos os casos

mencionados; ceder a ela, com todas as conseqüências, não é, em

todo caso, "altruísta". Na moral o homem não trata a si mesmo

como individuum, mas como dividuum.36

58. O que se pode prometer. — Pode-se prometer atos, mas

não sentimentos; pois estes são involuntários. Quem promete a

alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel,

promete algo que não está em seu poder; mas ele pode prometer

aqueles atos que normalmente são conseqüência do amor, do ódio,

da fidelidade, mas também podem nascer de outros motivos: pois

caminhos e motivos diversos conduzem a um ato. A promessa de

sempre amar alguém significa, portanto: enquanto eu te amar,

demonstrarei com atos o meu amor; se eu não mais te amar,

continuarei praticando esses mesmos atos, ainda que por outros

motivos: de modo que na cabeça de nossos semelhantes permanece

a ilusão de que o amor é imutável e sempre o mesmo. — Portanto,

prometemos a continuidade da aparência do amor quando, sem

cegar a nós mesmos, juramos a alguém amor eterno.

59. Intelecto e moral. — É preciso ter boa memória, para

poder cumprir as promessas feitas. É preciso ter grande força de

imaginação, para poder sentir compaixão. De tal modo a moral está

unida à qualidade do intelecto.

60. Querer se vingar e se vingar. — Pensar em se vingar e

fazê-lo significa ter um violento acesso febril, que no entanto passa;

mas pensar em se vingar e não ter força nem coragem para fazê-lo

é carregar consigo um sofrimento crônico, um envenenamento do

corpo e da alma. A moral, que vê apenas as intenções, avalia

igualmente os dois casos; habitualmente o primeiro é visto como o

pior (pelas más conseqüências que o ato de vingança pode trazer).

Ambas as avaliações têm vista curta.

61. Saber esperar. — Saber esperar é algo tão difícil, que os

maiores escritores não desdenharam fazer disso um tema de suas

criações. Assim fizeram Shakespeare em Otelo e Sófocles em Ajax;

se este tivesse deixado o sentimento esfriar por um dia apenas, seu

suicídio já não lhe teria parecido necessário, como indica a fala do

oráculo; provavelmente teria zombado das terríveis insinuações da

vaidade ferida e teria dito a si mesmo: quem, no meu lugar, já não

tomou uma ovelha por um herói? será uma coisa tão monstruosa?

Pelo contrário, é algo humano e comum; dessa forma Ajax poderia

se consolar. A paixão não quer esperar; o trágico na vida de

grandes homens está, freqüentemente, não no seu conflito com a

época e a baixeza de seus semelhantes, mas na sua incapacidade de

adiar por um ou dois anos a sua obra; eles não sabem esperar. —

Em todos os duelos, os amigos que dão conselhos devem verificar

apenas uma coisa: se as pessoas envolvidas podem esperar; se este

não for o caso, um duelo é razoável, pois cada um diz a si mesmo:

"Ou eu continuo a viver, e então ele deve morrer imediatamente, ou

o contrário". Em tal caso, esperar significaria sofrer por muito

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!